PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

Amor que se Lhe Consagra

«Virei pedir a Consagração...
ao Meu Imaculado Coração».
Nossa Senhora

O espírito da devoção ao Imaculado Coração de Maria, como já vimos, informa-se todo do amor a esse dulcissimo Coração; este amor intensifica-se e alimenta-se de modo peculiar na Sagrada Comunhão frequente, cujo efeito próprio é aumentar em nós o amor a Deus e por isso mesmo, o amor a Maria Santíssima e em geral, o amor a todo o Corpo místico de Cristo.

Mas amar é dar-se. Portanto, assim como na devoção ao Santíssimo Coração de Jesus não pode faltar a dádiva total de nós mesmos, por meio da Consagração — disse-o Pio XI — assim também na devoção ao Imaculado Coração de Maria a Consagração se torna imprescindível e é como que a sua fina-flor.

Citemos as palavras de Pio XI: «Entre todas as práticas que respeitam propriamente o culto do Sacratíssimo Coração de Jesus, sobreleva uma digna de recordar-se: a piedosa Consagração pela qual nos oferecemos ao Coração de Jesus a nós e a todas as nossas coisas, reconhecendo-as como recebidas da eterna caridade de Deus».[1]

Em tudo se mostram análogas as devoções ao Coração de Jesus e de Maria, por isso, também nesta, figura como primacial elemento este piedoso acto.

Em Fátima, desde a aparição de Julho pelo menos, que se fala da Consagração ao Imaculado Coração de Maria. Revela a Virgem aos Pastores que, por causa dos pecados do mundo, viria uma guerra multo pior que aquela em que ardia então a Europa, em 1917. Porém Nossa Senhora acrescenta: «Para a impedir, virei pedir a Consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora dos primeiros sábados».

Depois de anunciar os males que no mundo havia de causar a Rússia, prometeu: «O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia que se converterá». Em 1929 Nossa Senhora, por meio de uma aparição à Irmã Lúcia, veio de facto pedir a consagração da Rússia, prometendo por este meio impedir a propagação dos seus erros e a sua conversão.

Dez anos mais tarde, a 19-III-1939, escrevia a vidente:

«Da prática desta devoção (dos primeiros sábados) unida à Consagração ao Imaculado Coração de Maria depende a guerra ou a paz do mundo».

A 2 de Dezembro de 1940, diz que «Nosso Senhor promete ultimamente, se se consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria, abreviar os dias da tribulação com que tem determinado punir as nações de seus crimes...» Afirma ainda que «pela Consagração que os Prelados Portugueses fizeram da Nação ao Coração de Maria, prometia Nosso Senhor protecção especial a Portugal durante a guerra e que essa protecção era prova das graças que concederia às outras nações, se como ela tivessem sido consagradas».

Todas estas passagens nos mostram a importância que liga Deus à Consagração das Nações e do mundo ao Imaculado Coração de Maria. E que esse acto, além de se revelar uma pública e solene profissão de fé, proclama ao mesmo tempo os direitos soberanos da Mãe de Deus (e portanto, e com mais forte razão, os do próprio Deus), como Senhora e Rainha do Universo; significa a confissão no poder de Maria para nos valer; manifesta retumbantemente uma confiança imensa no Seu amor maternal para com a Humanidade

Por todas estas razões, esse acto reveste-se diante de Deus de um valor incomensurável, sobretudo no momento em que tantas nações apostataram e repeliram os direitos do Criador e Senhor do Universo.

Mas, se tanto aprecia o Céu a Consagração das Nações ao Imaculado Coração de Maria, mais excelente ainda e preciosa em valor real intrínseco, para o tempo e para a eternidade, se torna a Consagração pessoal de cada um de Seus filhos a esse Coração materno.

Amar sem se dar, como dissemos, não faz sentido; e dar-se é consagrar-se; e quanto mais total e perfeita for essa Consagração, mais total e perfeito se mostrará o amor.

Por esta Consagração principiaram os Pastorinhos, logo na primeira aparição da Virgem em 13 de Maio de 1917.

— «Quereis oferecer-Vos a Nosso Senhor para acei­tar de boa vontade, todos os sofrimentos que Ele vos qui­ser enviar, em reparação de tantos pecados com que a Divina Majestade e ofendida, para obter a conversão dos pecadores e desagravo das blasfémias e ultrajes feitos ao imaculado Coração de Maria?» — Perguntava Nossa Senhora aos três videntes.

— «Sim, queremos! — respondeu por todos a Lúcia e como já notámos, essa vida de Consagração a Nosso Senhor pelas mãos de Maria Santíssima foi vivida por eles intensissimamente, com a heroicidade de gigantes em santidade.

A consagração quando é bem feita, revela-se de efei­tos maravilhosos para a transformação das almas. A propósito da Consagração ao Sagrado Coração de Jesus, escrevia Santa Margarida Maria Alacoque: «Uma vez o meu Soberano Sacrificador pediu-me que fizesse em Seu favor um testamento por escrito ou doação inteira e sem reserva, como já Lhe tinha feito de boca, de tudo o que eu pudesse praticar, sofrer e de todas as orações e bens espirituais que fizessem por mim, em vida ou depois da morte...

Depois de este acto realizado, declara-lhe Nosso Senhor: «Eu te constituo herdeira do Meu Coração e de todos os seus tesouros, para o tempo e para a eternidade, permitindo-te usar deles segundo os teus desejos; e prometo-te que só te faltará socorro, quando ao Meu Coração faltar poder. Tu serás para sempre a discípula predilecta deste Coração, o joguete de seu bel-prazer e o holocausto dos Seus desejos, o qual reparará e suprirá aos teus defei­tos e te desempenhará das tuas obrigações»[2].

Em inúmeras passagens das suas cartas nos atesta Santa Margarida, que não conhece meio mais rápido para chegar à perfeição, nem acto que dê mais glória ao Cora­ção de Jesus, do que esta Consagração.

Mas ensina-nos o Mestre da Consagração a Nossa Senhora, S. Luís Grignion de Montfort, que de todas as devoções a que mais consagra e conforma a alma a Jesus Cristo Nosso Senhor é a devoção à Santíssima Virgem, Sua Mãe e quanto uma alma mais consagrada viver a Maria, mais o será a Jesus Cristo; é por isso que a perfeita Consagração a Jesus Cristo não é outra coisa senão uma per­feita Consagração de si mesmo à Santíssima Virgem»[3].

Segundo este pensamento do Santo Apóstolo Mariano, é indissolúvel, ou parte integrante da Consagração ao Coração de Jesus a Consagração ao Imaculado Coração de Maria. Por isso, a Consagração feita por ele a Nossa Senhora intitula-a: Consagração de si mesmo a Jesus Cristo, Sabe­doria Encarnada, pelas mãos de Maria» e começa-a diri­gindo-se a Jesus Cristo, embora logo depois, deposite toda essa dádiva de si mesmo nas mãos de Maria para que Ela a faça chegar a Jesus.

Explicando em que consiste a Consagração a Nossa Senhora, apresenta-a quase nos mesmos termos em que Jesus a pediu a Santa Margarida. «Uma pessoa — escreve o Santo — que assim se consagrou e sacrificou voluntariamente a Jesus Cristo por Maria, não pode dispor do valor de nenhuma de suas boas acções; tudo o que sofre, tudo o que pensa, diz ou faz de bem, pertence a Maria, para que Ela disponha segundo a vontade de Seu Filho e Sua maior glória, sem que esta dependência prejudique contudo as obrigações do próprio estado presente ou futuro.

«Consagramo-nos simultaneamente à Santíssima Vir­gem e a Jesus Cristo; à Santíssima Virgem, como meio perfeito que Jesus escolheu para se unir a nós e nos unir a Si; e a Nosso Senhor, como nosso último fim; a quem devemos tudo o que somos, como a nosso Redentor e a nosso Deus».[4]

* * *

Não se faz mister longo raciocínio para encontrar ra­zões que fundamentem esta Consagração de amor ao Cora­ção Imaculado de Maria. As mesmas que demonstram que A devemos amar, provam o dever de nos consagrarmos a Ela.

Bastavam as Suas virtudes pessoais, os Seus atracti­vos, os Seus encantos, a Sua beleza, para nos deixarmos inteiramente dominar. O ditoso pastor que em 1846 teve a dita de ver em La Salette, a Nossa Senhora — Maximino Giraud — conservou-se toda a vida solteiro. Quando já de idade bem adulta lhe perguntou o P. Perrin, porque não tinha contraído matrimónio respondeu: «Quando se viu a Nossa Senhora, já não nos podemos ligar a mais ninguém cá na Terra»[5].

Ela é a Senhora e a Rainha dos Céus e da Terra, como tal tem direito a que a Ela nos consagremos como servos e vassalos: «O que afirmo em absoluto de Jesus Cristo — escreveu S. Luís de Montfort — tenho de o afir­mar de um modo relativo da Santíssima Virgem. Tendo-A Jesus escolhido como companheira indissolúvel da Sua vida, da Sua morte, da Sua glória e do Seu poder no Céu e na Terra, deu-Lhe por graça relativamente a Sua majes­tade, todos os mesmos direitos e privilégios que Ele possui por natureza: quidquid Deo convenit per naturam, Mariae convenit per gratiam, dizem os Santos. De modo que, segundo eles, não tendo os dois senão uma vontade e um poder, ambos têm os mesmos súbditos, servos e escra­vos... «A Santíssima Virgem é o meio de que Nosso Senhor se serviu para vir a nós; Ela é também o meio de que devemos servir-nos para ir a Ele».

Pode dizer-se que é este o pensamento dominante de S. Luís de Montfort, para provar toda a sua tese: o que fez o Verbo a respeito de Maria ao encarnar em Suas entranhas e entrega-se-Lhe totalmente, isso have­mos proporcionalmente de fazer nós, se queremos que Cristo em nós se forme.

O Pai comunicou a Maria a Sua fecundidade para poder produzir a Jesus e todo o seu Corpo místico, O Verbo encontrou a Sua liberdade aprisionando-Se em Seu seio maternal, deixando-Se levar em Seus braços, dependendo em tudo d'Ela como qualquer menino depende de sua mãe; até no começo da vida pública é por Ela que opera o primeiro milagre. Ora se Jesus é o nosso caminho, temos que ir por onde Ele foi: por Maria, entregando-nos todos a Maria, para d'Ela dependermos inteiramente; Ela Continua com a Igreja a ser o que foi com Seu Filho; por isso dispõe do tesoiro de todas as graças. O Seu poder diante de Jesus é tal, que os Seus rogos têm força de ordem. Jesus é sempre fruto de Maria, logo a Sua for­mação em nós tem que ser também fruto de Maria; mas isto só se obtém, se nos entregarmos totalmente ao Seu Coração de Mãe.

E com que perfeição se há-de realizar esta Consagração? Montfort chama-lhe santa escravidão, para signi­ficar por um lado os direitos de soberania desta Senhora e da nossa parte, a nossa pequenez diante de tão grande majestade; mas por outro lado e sobretudo, para melhor compreendermos até que ponto deve ir essa entrega: havemos de deixar-nos a nós mesmos o mais possível, para que Ela disponha à vontade, sem ser preciso pedir-nos licença, ou prometer-nos recompensa, como Senhora absoluta; transmitimos-Lhe, quanto ser possa, todos os nossos direitos. Ela é a Dona: tudo Lhe pertence.

Esta soberana Senhora, porém, é sobretudo Mãe e é por ser Mãe que Ela é Senhora, como já vimos; logo esta Consagração traduz-se em uma entrega de amor filial.

Com tal Consagração descansa a alma no Coração de Maria, como em Seus braços e a Seu seio virginal des­cansava o Menino Jesus. Entrega que significa ao mesmo tempo uma confiança imensa de que o Seu Coração ma­terno em tudo velará por nós. Nada nos faltará. Demos-Lhe tudo com o máximo desinteresse: Ela mesma se constituirá a nossa herança e a nossa recompensa.

Quem se consagra ao Imaculado Coração de Maria, pode bem tomar como ditas a si por Nossa Senhora, as palavras que Jesus dirigiu a Santa Margarida Maria: «Eu te constituo herdeiro do meu coração e de todos os meus tesoiros». O Coração de Maria passa a ser a nossa riqueza, de que podemos dispor à vontade, diante de Deus. O que é de nossa Mãe é nosso.

* * *

Os frutos desta Consagração não se fazem esperar; realiza-se uma transformação total de nossa vida. Para isso, como ensina a S. Luís de Montfort, é preciso que comecemos a viver por Maria, com Maria, em Maria, para Maria.

Por Maria, quer dizer: «obedecendo em tudo à Santíssima Virgem, guiando-nos em tudo pelo Seu espírito, que é o Espírito de Deus... Só os que se guiam pelo espírito de Maria é que são verdadeiros e fiéis devotos Seus.

Para a alma se deixar guiar por este espírito de Maria, tem que renunciar ao seu próprio espírito, ás suas próprias luzes e vontades... Deve entregar-se ao espí­rito de Maria para ser movido e conduzido de modo que Ela quiser, com uma total renúncia de si mesmo».

Com Maria: isto é: tendo-A em tudo por modelo. «Por isso em cada acção havemos de considerar como é que Maria a faz ou faria, se estivesse em nosso lugar: «com que fé, com que humildade, com que pureza: Lem­bremo-nos — insiste o Santo — que Maria e o grande e único molde de Deus, próprio para fazer imagens vivas de Deus, sem muitos gastos e em pouco tempo; e que uma alma que deu com este molde e nele se funde, depressa fica transformada em Jesus Cristo, ao qual esse molde representa tão ao natural».

«Em Maria: fazendo a nossa morada no Coração de Maria, paraíso terrestre do Novo Adão, Jesus, que nele encontrou as Suas delícias e do qual é a verdadeira árvore da vida; santuário da Divindade, remanso da Santíssima Trindade, trono de Deus, cidade de Deus, templo de Deus, mundo de Deus».

Viver aí nesse recinto sagrado, no interior de Maria é «graça particular do Espírito Santo, que é mister mere­cer. Depois que se alcançou esta graça, devemos permanecer neste belo interior de Maria, com regozijo, descansando em paz, confiança, segurança e perder-nos ai sem reserva, a fim de que neste seio virginal a alma se nutra do leite da Sua graça e da Sua misericórdia maternal; se livre de perturbações, medos e escrúpulos; se abrigue de todos os seus inimigos, mundo, demónio e pecado, que aí não podem ter entrada».

Adiante falaremos mais de espaço desta vida de união com Maria.

Para Maria: Se Lhe demos tudo, pertencem-Lhe todas as nossas coisas, acções e actividades; não que Ela seja o último fim de nossos obséquios, mas o fim próximo, meio misterioso e mais asado para chegar a Jesus.

Ou como antes ensinou o Venerável de Miguel de S. Agostinho, O. Carm. Calc., no seu preciosíssimo Tractactus Tertius de Vita Mariae formi et Mariana in Mariam propter Mariam: «para Maria, quer dizer, para obséquio, para honra e por amor de Maria, para que também Ela em tudo seja honrada, glorificada e amada e se promova, aperfeiçoe e estenda o Seu reino no reino de Jesus Seu. Filho; para que assim como vivemos, operamos, padecemos, morremos por Jesus, assim vivamos, operemos, padeçamos, morramos por Maria[6].

Portanto, conclui ainda Montfort, como bons servos e escravos seus de amor «não havemos de ficar ociosos, mas apoiados na Sua protecção, empreendamos por esta Augusta Senhora grandes coisas. Defendamos Seus privilégios, quando os discutem; sustentemos Sua glória, quando a atacam; atraiamos toda a gente para o Seu serviço e devoção; falemos, brademos contra os que abusam desta devoção para ultrajar Seu Filho e procuremos ao mesmo tempo espalhar a verdadeira maneira de A honrar. E não havemos de esperar d’Ela, em recompensa destes pequenos obséquios, senão a glória de pertencermos a uma Princesa tão amável e a felicidade de por Ela nos unirmos a Jesus, Seu Filho, com laços indissolúveis, no tempo e na eternidade»[7].


[1] Miserentissimus Redemptor.

[2] Cfr. Lettres inédites, Lettre, IV, pág. 145.

[3] Traité de la Vraie Dévotion, pág. 95.

[4] Ib. págs. 98-99.

[5] Cfr. Histoire de l’Apparition de la Mère de Dieu, sur la Montagne de La Salette, par le R. P. Louis Carlier, pág. 214, Tournai, 1912.

[6] Cfr. Ib. c. VI, Appendix ex Libro IV da Introductio ad vitam ­internam et fruitiva Praxis Vitae mysticae, ed. Romae, 1926.

[7] La Vraie Dévotion à La Sainte Vierge, c. III da II p.