PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

O Rosário, Arma e Escola do Coração Imaculado de Maria

«Rezai o Terço todos os dias».
Nossa Senhora

Pouco discorremos no capítulo precedente sobre as lições de Nossa Senhora acerca do Seu Rosário, porque elas exigem mais demorado discurso.

A insistência de Maria Santíssima, desde a primeira até à última aparição, impressiona: — «Rezai o Terço todos os dias... Continuai a rezar o Terço todos os dias em honra da Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo...»

A 13 de Outubro, revela finalmente, que Ela mesma é a Senhora do Rosário e «quer que continuem a rezar o Terço todos os dias».

Desta insistência ressalta sem mais raciocínio, a importância que a Virgem liga à recitação diária do Terço e simultaneamente nesta piedosa prática se nos indica um processo muito concreto e frutuoso para nos desempenhar­mos da grande obrigação e necessidade que temos de orar.

Ainda antes de haver baixado à Cova da Iria a recomendar-nos a recitação do Rosário, já a Bondosíssima Se­nhora se revelara umas dezoito vezes ao mundo, em apa­rições diferentes, acerca do Rosário: tanto o estima e tão útil se torna para nós a sua recitação.

Nele tem a Rainha do Santíssimo Rosário e Vence­dora de todas as grandes batalhas de Deus» — como A in­voca Pio XII, a Sua Arma de conquista e a Sua Escola para a formação das almas.

* * *

Arma de Conquista nas lutas da Igreja Contra os seus inimigos. Dois factos apenas para não irmos demasiado longe.

Era em 1202, na capela de Nossa Senhora de Prouille. Andava S. Domingos empenhado na conversão dos herejes albigenses e alguns conseguira já trazer de novo ao seio da Igreja católica, mas os resultados não correspondiam aos ardores do seu zelo.

Um dia, ao cair da tarde, cansado de pregar sem fruto, ajoelhou na dita capela, diante do altar de Maria e com os olhos na estátua da Senhora, banhado de lágrimas, excla­mava: — «Já há dez anos, Senhora, que meus Irmãos e eu dedicamos nossas canseiras e vidas a conquistar para o Vosso Filho hereges albigenses e não conseguimos quase nada. Ó Maria, esquecer-Vos-eis de Vossos filhos?».

De repente a estátua animou-se; no braço esquerdo descansava o Menino Jesus e da mão direita pendia um Rosário. — «Não, meu filho Domingos, não, Eu não te esqueço — respondeu a Senhora — venho trazer-te um meio de conversão para essa gente. Toma este Rosário e faz com que o rezem; junta à recitação das orações a meditação dos mistérios da Vida de Meu Filho e da Minha e den­tro em pouco brilhará a fé nas almas».

O Santo Fundador da inclita Ordem dos Padres Pregadores tomou das mãos de Maria esta arma de combate e foi com ela que ele e seus filhos começaram desde logo a operar maravilhas de conversão na França e em todo o mundo. Em breve se desbaratava a heresia albigense. Avancemos mais três séculos e meio. Passa-se o segundo caso a 7 de Outubro de 1571. Os turcos, pregus­tando já a vitória suposta infalível, punham-se em ordem de batalha contra os Cristãos, dando à armada a forma de um crescente, como era usança sua.

D. João de Áustria, por sua vez, dispunha os seus barcos de guerra em forma de uma Cruz; os seus soldados tinham-se preparado para o combate com a recepção fer­vorosa dos Sacramentos.

Dado o sinal para a luta, ajoelham todos diante do Crucifixo e põem ao pescoço o Rosário. D. João iça a ban­deira de batalha que recebera das mãos do Papa; nela se via estampada a imagem da Virgem com o Menino nos braços, tendo por cima a Cruz de Cristo.

De todos os peitos irrompem vozes de delírio, sau­dando a gloriosa bandeira que recebia ao mesmo tempo a primeira descarga da artilharia turca. Mas nem uma só bala a atingiu durante a luta.

Os muçulmanos, muito mais em número e em armas, acometem afoitos com todo o furor. Os católicos mais con­fiados em Deus que em suas forças, cantando o Exurgat Deus, sem temer as feridas nem a morte, batem-se como heróis.

Enquanto assim lutavam em Lepanto os dois exérci­tos, em Roma, S. Pio V que fora quem estimulara os Cristãos para a guerra santa, achava-se em reunião com os Cardeais. De repente levanta-se; abre a janela; olha um momento para o Céu e logo exclama: «deixemos os nossos trabalhos e vamos dar graças a Deus pela vitória que acaba de conceder à Armada Cristã!»

Os Cardeais admirados seguem o Sumo Pontífice até à basílica de S. Pedro e com o povo, que entretanto tinha sido avisado, cantam as ladainhas da Virgem, sublinhando com especial fervor o título: Auxilium Christianorum: Auxílio dos Cristãos.[1]

As notícias depressa confirmaram a verdade da vitó­ria e o Papa escolhe desde então o dia 7 de Outubro para celebrar em toda a Cristandade a Festa do Santíssimo Rosário. E que S. Pio V tinha armado para esta vitória com o Santo Rosário todos os Cristãos, pedindo aos seus filhos do mundo inteiro, que implorassem por este modo o auxi­lio de Maria.[2]

Mas o Rosário revela-se arma de um modo particular poderosíssimo, para que individualmente cada um vença os seus próprios inimigos: o mundo, o demónio e a carne. E a razão é óbvia: na oração encontra o homem a sua omnipotência. Ora, o Rosário reduzido à terça parte, isto ainda que não seja senão a o Terço, é oração. Logo a sua recitação arma-nos da nossa omnipotência para as lutas individuais.

Mas acresce que ele goza sobre todas as outras orações de vantagens especiais. Entretecido das melhores preces que se conhecem, pela dignidade de quem as compôs o Padre-Nosso feito por Nosso Senhor Jesus Cristo, a Ave-Maria inspirada pelo Espírito Santo na sua primeira parte ao Arcanjo S. Gabriel e a Santa Isabel, e na segunda, à Igreja Católica — não há outras preces vocais que possam pleitear primazias com o Rosário.

Depois, unindo a essas preces a meditação dos principais mistérios da fé, junta num só os dois principais modos de oração: vocal e mental.

Além disso, e particularmente, o Rosário é a maneira mais fácil e insistente de invocar Maria e de implorar o Seu Auxílio. Chamam-lhe o Saltério de Nossa Senhora. Originariamente cifrava-se o saltério popular, na redução dos 150 Salmos. Cada salmo substituía-se por um Padre-Nosso ou unia estrofe que lhe resumisse o sentido e o instru­mento com que se marcavam essas estrofes denominava-se Pater Noster. Era o ofício divino ao alcance do povo.

Pelo século XII aparece o Saltério de Nossa Senhora composto de 150 estrofes, divididas em grupos de 50 e começando todas pela Ave-Maria.

Já bastantes séculos atrás, em substituição do antigo costume de oferecer coroas de rosas às imagens da Virgem, tinha S. Gregório Nazianzeno, levado do amor a Nossa Senhora, composto uma coroa espiritual, que constava de uma longa série de orações entretecidas dos mais belos louvores, títulos e glórias de Maria. Santa Brígida, Padroeira da Irlanda, retocou no século V esta ideia, substi­tuindo nessa coroa ou rosário, as orações que não eram conhecidas do povo, por outras bem conhecidas, pelo Credo, Padre-nosso, Ave-Maria e, para facilitar a Sua recitação, adoptou o uso das contas de pedra ou de madeira enfiadas numa linha.

Com estes elementos já de há muito existentes, organizou S. Domingos, segundo as indicações de Nossa Senhora de Prouille, o Rosário, pouco mais ou menos como hoje o temos.

Pois bem: este Rosário assim organizado, manifesta-se sobretudo um insistente bradar por Nossa Senhora:

«Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte». Nossa Senhora com tantos brados não pode deixar de ouvir os nossos rogos e pôr em jogo a Sua omnipotência suplicante, o Seu poder de Medianeira e despachar gostosa os nossos pedidos. Alcança-nos a dor de nossos pecados, o perdão de Deus para eles, a conversão das nossas almas, a força para rompermos com os laços que os amarram ao pecado, a vitória sobre as nossas paixões e socorre-nos com todos os auxílios para principiarmos a levar uma vida santa.

Oiçamos a Leão XIII: «Ao implorar Maria, acolhemo-nos à Mãe de misericórdia, tão afecta para connosco, que em qualquer necessidade, principalmente, quando se trata da salvação, até sem ser chamada, está sempre pronta a prodigalizar-nos do tesoiro dessas graças com que Deus desde o princípio A ornou em plena abundância, como convinha à dignidade de Mãe de Deus»[3].

Quando Santo Afonso Maria de Ligório era já velhinho, por vezes não se lembrava, se já tinha rezado o Terço e perguntava-o ao Irmão enfermeiro. Este respondeu-lhe um dia: «tomara eu todos os Terços que já recitastes hoje a mais». Então o Santo com ar grave atalhou: «Meu Irmão, não zombeis, porque não sabeis que do Terço depende a minha eterna salvação?» [4]

* * *

Mas o Rosário é também escola do Coração de Maria: escola primária e escola superior.

E antes de mais nada, escola primária, para os que vivem nas trevas e tudo ou quase tudo ignoram da Religião.

O mal-raiz de todos os males religiosos, morais e so­ciais encontra-se na maior parte dos Casos, na crassíssima ignorância das mais elementares verdades da Religião, até muitas vezes entre os chamados crentes. Como acudir-lhes, se os adultos e os jovens já se não sujeitam a vir sentar-se no meio das criancinhas a aprender o Catecismo?

Ensine-se-lhes a rezar o Rosário; no Rosário encontra-se uma verdadeira Suma Teológica, um Catecismo con­densado, proporcionado à capacidade de doutos e indoutos, grandes e pequenos. À força de o rezarem com devoção, vão aprendendo ou recordando nele os principais mistérios da fé e começam assim a dissipar-se-lhes as trevas.

«Para afastar de seus filhos o perigo da ignorância religiosa — nota Leão XIII, na mesma encíclica já citada — a Igreja não se poupa a meios e a solicitudes, e não é dos menores o socorro que ela encontra no Rosário de Maria.

Por ele, com efeito, com as mais belas e mais fecundas das orações vocais, ditas numa ordem determinada, desenrolam-se sucessivamente ante a memória e propõem-se à meditação os principais mistérios da nossa Religião. Em primeiro lugar, os que lembram que o Verbo se fez carne e que Maria, Mãe e Virgem, Lhe dispensou todos os cui­dados maternos; depois as amarguras da Paixão de Cristo, a Crucifixão e a Morte que foram o preço da salvação da nossa raça. Além disso os mistérios da Sua Glória e o Seu triunfo sobre a morte, a Ascensão ao Céu, a Vinda do Es­pírito Santo e o magnífico esplendor da recepção de Maria nos Céus e enfim a glorificação de Maria, de Seu Filho e de todos os Bem-aventurados na Glória».

Como ainda no Rosário se contemplam as lindas vir­tudes do Cristianismo praticadas por Jesus e Sua Mãe Imaculada, sempre Virgem, Mãe do amor formoso, não só as inteligências se iluminam, mas vão-se movendo e afei­çoando as vontades à prática do bem. Fale Pio XI: «Com a recitação do Rosário feita piedosa e atentamente, cresce «a fé antes de mais nada, que refloresce precisamente pela oportuna meditação dos santos mistérios e eleva os espíritos até às verdades reveladas por Deus... O Santo Rosário reaviva também a esperança dos bens imortais, porque o triunfo da glória de Jesus Cristo e de Sua Mãe que meditamos na última parte da sua recitação, mostra-nos o Céu aberto e convida-nos à conquista da eterna Pátria... A caridade que em tantos se esfria e langui­desce, como não se acenderá numa efusão de amor, nas almas daqueles que recordam, com afligido coração, as tor­turas e a Morte de nosso Salvador e as aflições de Sua Mãe Dolorosa?»[5]

* * *

Há porém mais no Rosário: nele tem a Mestra Divina uma escola superior de formação das almas.

O Rosário para se rezar com a perfeição e frutos a que Nossa Senhora pretende levar-nos, há de impre­gnar-se todo ele da meditação dos mistérios, não feita de corrida, mas de tal modo, que a recitação das Ave-Marias e dos Padres-Nossos e Glórias seja à suave e espontânea expressão dos afectos que a contemplação ou meditação desperta na alma. Bem sabemos quanto a oração mental sobreleva à vocal: depois da Comunhão, não existe melhor alimento do espírito, do que ela.

O meditar ou contemplar assim durante o Rosário os mistérios vários, não só nos relembra à luz do Espírito Santo, e por isso, grava mais fundo na alma as principais verdades da fé, mas faz que as vivamos mais plenamente e cumpre-se o dito da Escritura: «o meu justo vive da fé». [6]

Note-se além disso, a cláusula da promessa feita por Nossa Senhora à Irmã Lúcia: «prometo assistir na hora da morte com as graças necessárias para a salvação, a todos os que no primeiro sábado de cinco meses seguidos, se confessarem, receberem a Comunhão, rezarem um Terço e me fízerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário, para Me desagra­varem».

O modo pois, como se medita nos mistérios do Rosário é fazendo companhia a Nossa Senhora. Aqui de um modo peculiar se encontra a virtude do Rosário, como es­cola do Coração de Maria para a formação das almas.

Não basta meditar ou contemplar de qualquer modo; mas em companhia de Nossa Senhora, como quem esta com Ela e com Ela trata do mistério que vai contemplando; a

Ela de maneira especial observa durante esse mistério, para melhor A conhecer, amar e imitar.

Quem não estimaria passar um quarto de hora, só que fosse, com Nossa Senhora em Nazaré, no momento sublime da Anunciação do Anjo? Ou em Belém, na hora em que nasceu Jesus? Ou então no Calvário, quando a Mãe Dolorosa se encontrava de pé junto à Cruz de Seu Filho agonizante? Ou ainda em qualquer dos passos glo­riosos depois da Ressurreição de Cristo?

Que bons resultados colheria a nossa alma desse di­toso quarto de hora em tal companhia, sobretudo, se esse quarto de hora fosse prestado, não como uma simples visita fria de cerimonia; mas de coração a coração: quer dizer, como que sentindo e saboreando, tomando parte ín­tima e deixando transfundir para a nossa alma tudo o que em cada um desses mistérios se passa no Coração de Maria Santíssima!

Pois bem: é precisamente isto que se pretende na contemplação dos mistérios do Rosário: conseguir quanto possível, à luz da fé e da graça de Deus, os resultados que se obteriam numa tal visita.

Que resultados magníficos conseguiram os três Videntes da Fátima com aqueles seis quartos de hora, se tanto, passados em companhia de Nossa Senhora, nas dife­rentes aparições!...

Em oração assim, aprende a alma cada vez mais profunda e intimamente o que é o Coração de Maria, as Suas virtudes, o Seu amor de Mãe de Jesus e dos homens; as Suas misericórdias e ternuras para com os Seus filhos e pouco a pouco, começa a sentir-se mais unida, mais à uma com Maria Santíssima, num amor ardentíssimo. E como esta união íntima de facto, coincide com a união íntima com Deus, o Seu Coração Imaculado torna-se o caminho que nos conduzirá a Deus, conforme a Senhora prometeu à Lúcia: «o Meu Coração será o caminho, que te condu­zirá a Deus».

A natureza do assunto obrigou-nos a ir um pouco longe, mas nunca se insiste demais sobre a devoção ao Santo Rosário. Nenhuma prática de piedade mariana goza de tantos documentos pontifícios, como o Rosário; só Leão XIII brindou o Orbe católico com quinze Encíclicas, tantas quantos os mistérios do Rosário. Pio XI e Sua Santidade Pio XII actualmente reinante, não se têm cansado de nos inculcar, nas grandes dificuldades que atravessa o mundo, a recitação do Rosário e ainda agora a preconizou na encíclica sobre a Liturgia, Mediator Dei.

Para mais eficazmente se conseguir a realização do desejo da Virgem Maria, de que rezemos o Terço todos os dias, tomou em Junho de 1937, O Secretariado Nacional das Congregações Marianas em Portugal, a iniciativa de promover os LIVROS DE OIRO a depositarem-se aos pés de Nossa Senhora de Fátima, com os nomes das famílias que se comprometiam a rezar o Terço todos os dias. A ideia foi logo abençoada pelo Em.º Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, pelo Senhor Arcebispo-Primaz e outros Venerandos Prelados. [7] Mais decidido impulso lhe comunicou com a Sua autorizada Provisão de 20 de Julho de 1937, o Senhor Bispo de Leiria[8].

Em 13 de Maio de 1938, lá apareceu em Fátima já o primeiro volume, com a inscrição de 23.000 famílias de quase todas as dioceses de Portugal,[9] e depois deste, outros volumes se têm seguido, a mostrar a Maria Santís­sima quanto o Seu pedido fez eco nos filhos fervorosos que têm na Sua Terra, na Terra de Santa Maria.

Que todos os Católicos do mundo timbrem em inscrever nalgum Livro de Oiro o seu nome, atestando a resolução inabalável de rezar todos os dias o Terço de Nossa Senhora em família, ou pelo menos em particular.


[1] Os Barnabitas edificaram em Viena, libertada dos Turcos em 1683, um sumptuoso templo a este título de Nossa Senhora (Maria Hilf); mais tarde Pio VII, instituiu também a festa de Nossa Senhora Auxilio dos Cristãos.

[2] Por ocasião do Concilio do Vaticano, Pio IX concedeu indul­gência plenária semanal a quem rezasse o Terço diariamente pelas intenções do Concílio (Cfr. Breve Egregiis sui Ordinis de 3 de Dezem­bro de 1869 cit. em Concile Oecumenique du Vaican, por Mgr. Paul Gué­rin, págs. 62-63, Paris, 1897).

[3] Magnae Dei Matris, de 7/IX/1892.

[4] Cfr. Jos. Schrijvers, C.SS.R., Minha Mãe, pág. 85 trad. Sidrach.

[5] lngravescentibus Malis.

[6] Hebr. X, 38.

[7] Cfr. Mensageiro de Maria, Agosto-Setembro de 1937, págs. 225 e ss.

[8] Cfr. ib. fasc. de Novembro de 1937, pág. 314.

[9] Ib. fasc. de Junho de 1938, pág. 174.