PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

Espírito próprio desta devoção, o amor

«Se eu pudesse meter no coração de toda a gente
o lume que tenho cá dentro do peito!»

Jacinta

Muitas práticas de devoção ao Coração de Maria se poderiam escogitar e sugerir, como por exemplo, a veneração e propaganda de Suas imagens e medalhas, e neste caso, parece impõr-se essa Milagrosa Medalhinha, revelada pela Virgem a Santa Catarina Labouré, que de um lado Leva explícito com o de Jesus o Coração de Maria; o uso do escapulário do Coração de Maria o do escapulário verde; o oficio do Coração de Nossa Senhora e as Suas Ladainhas; a celebração do mês do Coração de Maria em Agosto ou pelo menos a da Sua festa nesse mesmo mês, a 22; inscre­ver-se nalguma Confraria ou Pia União do Coração de Maria.[1]  Mas preferimos cingir-nos ao que mais expres­samente é inculcado por Nossa Senhora aos Videntes de Fátima.

Antes porém releva considerar o que naturalmente deve caracterizar esta devoção, em todas as suas práticas, ou seja, o espírito que a anima. Este incontestavelmente é da nossa parte o amor fina1 para com tão Boa Mãe.

Eis a nota que a Santíssima Virgem vem pôr em vi­bração no coração dos homens, ao revelar-lhes o Seu pró­prio Coração, todo amor e misericórdia: despertar neles o amor de filhos para com Ela. Boa garantia portanto, de resultados magníficos.

Na verdade, quem resiste a um coração de mãe? O Amor filial é a última reserva, a extinguir-se no peito humano. Mesmo quando tudo se queimou ou arruinou, lá remanesce sob as cinzas ou debaixo dos escombros esta centelha sagrada, derradeira esperança de ressurreição para mortos e ponto de partida para nova vida.

O Coração Imaculado de Maria aparece-nos com todo o Seu amor de Mãe, amor heróico e inesgotável, pondo em jogo toda a ternura, bondade e compaixão do Seu afecto; cativando-nos com a Sua beleza sem par, subjugando-nos suave, mas fortemente, com toda a majestade da Sua gran­deza de Mãe de Deus e de Rainha do Universo.

Os resultados para logo se tornam patentes. Nas al­mas limpas e bem dispostas ateiam-se incêndios que rapidamente as transformam e elevam a grande santidade, como vemos até em criancinhas da idade da Jacinta e do Francisco. Aos pecadores com a maior facilidade os arranca do pecado, para darem começo a unia vida digna de cristãos.

Quem leu a vida da Jacinta e do Francisco concordara facilmente com estas asserções, no que respeita em primeiro lugar, ao amor despertado pelo Coração de Maria nessas alminhas inocentes. Amor que as avassala e cativa deliciosamente, definitivamente.

«Ai que Senhora tão bonita!», era o estribilho incessante da exuberante Jacinta, logo após a primeira aparição.

Gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, que me não canso de Lhes dizer que os amo... Quando lho digo muitas vezes, parece que tenho lume no peito, mas não me queima...» — declarava ainda a pequenina.

E ao receber um a estampa do Coração de Jesus, que lhe presenteava a prima: — «Beijo-O no Coração, que é o de que mais gosto; — exclama — quem me dera também um Coração de Maria! Não tens nenhum? Gosto de ter os dois juntos!»

E os ardores deste afecto tanto se intensificam, que por vezes desafogava em termos como estes: — «Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro do peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!?»

Tanto amor, ultrapassando já as raias da graça ordi­nária, começou a informar desde a primeira aparição todo o viver dos Pastorinhos privilegiados. Depressa os desprendeu totalmente de si mesmos, de seus interesses e caprichos, e já não têm outros interesses, outros pensa­mentos, outras preocupações senão os de Maria Santíssima, Sua Boa Mãe.

Ela vem para salvar os pecadores; para tanto, pede oração, sacrifício, desagravo. Os pequeninos transformam a sua vida numa contínua oração, num ininterrupto sacrifício; ficam-se longas horas prostrados por terra a orar, a repetir as orações que lhes ensinara o Anjo e Maria Santíssima. Outras vezes não rezam: meditam, contemplam o inferno e a sorte tremenda dos pobres pecadores que morrem em pecado mortal; sentem pena deles; sen­tem pena de Nossa Senhora e de Nosso Senhor; querem consolá-Los por todos os modos.

— «Francisco, tu sofres muito? — perguntavam-lhe:

— Sim sofro; mas sofro tudo por amor de Nosso Se­nhor. Queria sofrer mais, mas não posso» — assim res­pondia o zagal na última doença.

— «Cada vez me custa mais a tomar o leite e os caldos – significava também, já muito doentinha, a Jacinta à sua prima Lúcia — Mas não digo nada; tomo tudo por amor de Nosso Senhor e do Imaculado Coração de Maria, nossa Mãezinha do Céu».

E já mal podendo erguer-se do leito, lá se levantava, prostrava-se por terra, beijava o chão e dizia: «Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos e peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e Vos não amam».

Aí está o resultado imediato e prodigioso obtido por Maria Santíssima ao revelar o Seu Coração amantíssimo a estes Seus filhos inocentes. Pondo-lhes assim os coraçõezinhos em chamas, pode a Senhora agora pedir deles o que quiser: orações, Terços, sacrifícios, martírios, a vida; será pronta e generosamente atendida, porque toda a ânsia de quem deveras ama é dar-se o mais possível à pessoa amada, ainda à custa das maiores imolações.

Este amor ardente e incondicional encontramo-lo invariavelmente em todos os grandes devotos de Nossa Se­nhora e nos que melhor conheceram e compreenderam o Seu Coração Imaculado.

 

* * *

 

E com os pecadores?

«Maria garantiu a Santa Brígida que é Mãe não só dos justos e inocentes, mas também dos pecadores que se querem emendar. Se, desejoso de emenda, recorre um pe­cador a esta Mãe de Misericórdia, oh, como A encontra pronta para o abraçar e socorrer, ainda mais do que se fosse sua mãe corporal. Era justamente o que o Papa Gregório VII escrevia à princesa Matilde: — desiste da von­tade de pecar e acharás Maria, eu o garanto, mais pronta a amar-te, do que tua própria mãe».[2]

Mas diremos mais: o Imaculado Coração de Maria é quem primeiro vem ao encontro do pecador, ainda antes que ele pense em converter-se e desistir do pecado; apro­xima-se dele, faz-lhe sentir que ainda é sua Mãe e apesar dos pecados que o mancham, desperta a Virgem no coração do pobre infeliz um primeiro afecto filial de correspondência a este amor materno, cujo resultado imediato é banharem-se-lhe de lágrimas os olhos e tratar logo de se libertar dos pecados.

«Poderá este amor exercer-se nas suas primeiras manifestações, dentro da esfera da simples sentimentali­dade humana; não deixará porém de pertencer à ordem das afeições puras... Assim, o exercício de amor infun­dirá coragem, e esperança na alma afastada de Deus»[3].

Não o comprovam superabundantemente os factos desde que Nossa Senhora apareceu em Fátima? Quantos milhares de pecadores se têm sentido abalar profundamente, ao penetrar-lhes lá dentro na alma «a queixa amo­rosa e terno pedido»; «Não ofendam mais a Nosso Senhor que já está muito ofendido!»

São estes os maiores milagres de Fátima, de Lourdes e de La Salette e de Nossa Senhora das Graças. Bem se vê que Ela é Rainha e Senhora dos Corações e dispõe para os mover e transformar de todo o poder de Mãe de Deus e de Mãe dos homens; de todos os tesoiros das graças divinas.

«Ninguém resiste à atracção deste Íman dos Corações — escreveu Aguilar — «Ninguém duvida que a força atractiva da mulher está no coração... E o que nas outras costuma apartar de Deus, em Maria, pela Sua virginal pureza, aproxima do mesmo Deus. Além disso atrai-nos com amor de Mãe e todo o encanto da mãe reside no coração. Finalmente por ser amor de Mãe divina, transforma o nosso amor e leva-nos a Deus»[4].

O que importa, pois, é que de algum modo se estabeleça o contacto entre o pecador e o misericordioso Coração de Maria. Bem hajam os que todos os dias rezam pelo menos três Ave-marias a Nossa Senhora; a seus tempos se verão os efeitos portentosos de tão fácil prática. Bem hajam os que trazem consigo e fazem trazer os outros a Medalha milagrosa, o escapulário do Carmo ou qualquer outro escapulário: esta demonstração de piedade é já poderoso contacto, para que um dia se sinta a prodigiosa acção de Maria.

Bem hajam particularmente os que deliberaram levar em peregrinação pela Europa, pela América e pelo mundo a imagem de Nossa Senhora de Fátima! Que rasto luminoso de maravilhas, que esteira deslumbrante de graças vai deixando em pós de Si, à medida que avança pela Terra toda de que é Rainha! Os monu­mentos mais indeléveis e gloriosos dessa Sua passagem são os que se erguem nas almas de tantos pecadores convertidos, que ainda hoje haveriam de jazer no pecador se a Senhora não passasse junto deles e lhes não trespas­sasse a alma com o Seu amor!

Quantas pessoas piedosas chamadas a maior fervor e santidade só porque este Coração de Mãe ao passar ou ser vista, as feriu de amor! Agora nada lhes custa, levadas desse amor, cumprir generosamente o que o Coração de Maria lhes pede: oração, Terço diário, comunhão em desagravo ao Imaculado Coração de Maria, nos cinco primeiros sábados, Consagração ao Seu Coração, sacrifício pelos pecadores.

 

* * *

 

Como se vê, se bem se repara, o Coração Imaculado de Maria na Sua mensagem e acção, segue os trâmites do Sagrado Coração de Jesus. Se Eles são inseparáveis, estes dois Santíssimos Corações!... Se Eles são um só Coração!...

Jesus, ao revelar-se em Paray a Santa Margarida Maria, declarava que vinha numa ânsia de ser amado dos homens; por isso dera nesta invenção de lhes manifestar o Seu Coração. E «reinará apesar dos Seus inimigos e tornar-se-á o Senhor e possuidor dos nossos corações — como escreve a Santa — pois é o fim principal desta devoção: converter os homens ao Seu amor»[5]. Essa devoção apresenta-se como uma redenção amorosa, para nos colocar na suave liberdade e império do Seu amor, o qual deseja estabelecer-se no coração de todos os que a queiram abra­çar, como explica Santa Margarida Maria.

Pois bem: é para isto mesmo que vem Nossa Senhora dar-nos nesta hora mais expressamente e mais deveras o Seu Imaculado Coração: é para promover mais intensamente, mais universalmente este reinado de amor de Seu Divino Filho; para manifestar e fazer experimentar ao mundo, ainda mais profusamente do que até aqui, essa como nova Redenção de amor. Com o Seu Coração Imaculado a transbordar de misericórdia e amor fraterno meteu-se Ela agora a Missionária do mundo todo, mais do que em nenhuma época da História.

«Vers l’Avenir» de Namur escrevia que estamos a assistir no mundo a um movimento de piedade, como não se via desde os séculos XII e XIII... Paulo Claudel referindo-se precisamente aos acontecimentos maravilhosos da Fátima, assim se expressou: «vale a pena ter vivido só para ver isto!» Desde que o mundo é mundo nunca se conheceu movimento mais universal do que este da devoção a Nossa Senhora de Fátima... Quase de um momento para o outro, Nossa Senhora de Fátima con­quista por Si mesma o universo inteiro, do gelo dos poios, aos desertos africanos, das metrópoles americanas, as Ilhas mais perdidas do Pacifico.[6]

Todo o empenho do Coração de Maria nesta sua missão mundial é, primeiro que tudo, que deixem de ofender esse Amor de Jesus «que já está muito ofendido», tanto, que Ela já quase não pode suster o braço da justiça divina e, por isso, pede aos Seus filhos pecadores, «não ofendam mais a Nosso Senhor». E eles, sentindo despertar em si o afecto filial a tão boa Mãe, comovem-se, choram os seus pecados e voltam-se arrependidos para o Senhor.

Na medida pois, em que as almas se deixem prender e dominar do amor ao Coração de Maria, nessa medida se aproximam do amor ao Coração Santíssimo de Jesus; e logo que esta Mãe benditíssima se tiver apoderado de todos os corações, como Sua Rainha e Mãe, terá chegado o grande momento triunfal do Reinado do Coração Divino de Jesus na Terra.


[1] Muito de louvar e aconselhar são entre outras obras, «A Veneração perpétua do Coração de Maria», a «Guarda de Honra do Coração de Maria» e a «Visita domiciliária do Coração de Maria».

[2] Santo Afonso de Ligório, Glórias de Maria, pág. 53, ed. cit.

[3] Lecourieux, A Providência de Maria, pág. 92.

[4] Aguilar, Harmonías del Corazón de la Virgen Madre, pág. 101.

[5] Carta à M. Saumaise, cfr. Bainvel, La Dévotion au Sacré Coeur de Jésus, II p.c. III, 1.

[6] Voz da Fátima, 13 de Nov. de 1947, pág. 4, col. 1.