PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

Os Sagrados Corações de Jesus e de Maria

«O Coração de Jesus quer que a Seu Lado
se venere o Coração Imaculado de Maria».
Jacinta

Nas comunicações celestes aos Pastorinhos de Fátima, apresentam-se indissoluvelmente unidos os Sagrados Corações de Jesus e de Maria.

«Os Corações de Jesus e de Maria estão atentos à voz de vossas súplicas» — afirma-lhes o Anjo, na primeira aparição de 1916.

«Os Corações de Jesus e de Maria tem sobre vós desígnios de misericórdia» —acrescentou na segunda.

Na terceira vemos também juntos estes dois divinos Corações, no final da oração que o Anjo, antes e depois de lhes dar a Comunhão, lhes ensinou a rezar: «...pelos merecimentos infinitos do. Seu (de Jesus) Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores».

A Jacinta afirma categoricamente à prima Lúcia: «Diz a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria; que lhas peçam a Ela, que o Coração de Jesus quer que a Seu lado se venere o Coração Imaculado de Maria».

Por isso a pequenina não separa no seu amor inocente estes dois Corações: «se eu pudesse meter no cora­ção de toda a gente o lume que tenho cá dentro do peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!» — exclamava ela. Tendo-lhe a Lúcia dado uma estampa do Coração de Jesus, recebe-a e: «beijo-o no Coração que é do que eu mais gosto. Quem me dera também um Coração de Maria! Não tens nenhum? Gosto de ter os dois juntos».

E que o que Deus juntou, não o deve separar o ho­mem. «A Sacratíssima Virgem e Seu Filho — escreveu S. Francisco de Sales — formava um só Coração, uma só alma, uma só vida». O Grande Apóstolo da devoção ao Coração de Maria, S. João Eudes, foi também grande apóstolo do Coração de Jesus; não os sabia separar um do outro na sua devoção e no seu apostolado. Por esta razão Pio XI afirmava que este Santo se devia considerar como o Pai da devoção aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria.

Para serem verdadeiras e sólidas, não se hão de desunir na nossa piedade uma de outra, estas duas de­voções.

O Pe. Júlio Chevalier, fundador da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus, criou em 1859 uma jaculatória que resume este pensamento que logo foi aprovada e indulgenciada: Nossa Senhora do Sagrado Coração, rogai por nós. A imagem hoje expressamente autorizada como padrão para significar este novo titulo é bem conhecida: A Virgem cheia de ternura e bondade, sustenta no braço esquerdo o Seu Menino, o qual sorrindo nos aponta com o dedinho para Sua Mãe; Nossa Senhora por sua vez, indica-nos o Coração de Seu Filho em evi­dencia no peito do Menino e que ela segura com a mão direita.

E como se Cristo nos estivesse dizendo: «vinde a Mim todos; vinde a este Coração que tanto tem amado os homens, mas não vos enganeis no caminho. O caminho para o meu Coração é Minha Mãe, E Maria então, diz-nos também: vinde filhinhos do meu Coração, vinde a mim e levar-vos-ei ao Coração de meu Filho para ser Ele a vossa morada e o vosso paraíso».

Isto quis conseguir o Pe. Chevalier ao inventar esta jaculatória: pôr diante dos olhos dos fiéis intuitivamente as relações, que existem entre estes dois Corações: o de Jesus e o de Maria, resumidas no lema: per Mariam ad Jesum.

E certo: a salvação destes últimos tempos — disse-o Jesus em Paray — está no Coração de Jesus; este o sinal a fulgir no firmamento da Igreja que nos há-de dar a vitó­ria, no dizer de Leão XIII, ao, consagrar o universo ao Divino Coração do Salvador. E o Coração de um Deus que, não podendo por mais tempo conter as chamas de amor para com os homens, depois de tudo ter feito por eles até se esgotar, vem numa nova redenção de amor tentar o último esforço para conquistar a pobre Humani­dade prevaricadora.

Mas ninguém se equivoque: se tão consoladoras são as promessas com que procura atrair-nos esse Divino Coração inflamado; se aos pecadores promete conversão, aos tíbios fervor, e às almas fervorosas rápidos progressos na santidade, ninguém se equivoque: nenhuma dessas graças serão dispensadas, senão pela Dispenseira de Deus; senão pelo Medianeiro Coração de Maria.

«Nenhuma graça nos faz Deus que não seja por Maria — atesta Leão XIII, numa de Suas encíclicas sobre o Rosário a 8 de Setembro de 1894 — quidquid bonorum et quidquid gratiae Deum nobis dare, nihil illum dare nisi per Mariam». «Oh, que magníficas e inenarráveis riquezas contém o Vosso Coração, ó amável Jesus — exclama S. Ber­nardo — Que farei para as possuir estando delas tão neces­sitado? Sendo tão grande a minha impotência, que hei-de fazer? A vós me acolho, ó Mãe Divina, só Vós podeis falar em meu nome e obter-me do Coração de Vosso Filho as graças de que preciso, porque Ele Vos ouve e tudo o que Lhe pedirdes Vos concede».

«O Coração da Virgem — revelou Jesus a Santa Brígida — é como o meu Coração. É por isso que Minha Mãe e Eu realizamos a salvação do homem como com um só Coração: Quasi uno Corde».

O Verbo Divino veio ao Mundo por Maria e às almas quer também vir por Maria. A Virgem atraiu com seus encantos o Verbo Divino — o pensamento é de S. Ber­nardo — e agora que se encerrou em Suas entranhas e Lhe pôs nas mãos todas as Suas riquezas, tem Maria a pleni­tude de todas as graças e é desta plenitude que todos nós recebemos; é Ela, como já vimos, a depositária e dispenseira de todas as graças.

«Não admira — comenta ainda o mesmo Santo — Ma­ria é o tesoiro de Deus e onde Ela está, está o Seu Cora­ção: annon thesaurus Dei Maria? Ubicumque illa est et Cor ejus. Quem mais digna do que Vós de falar, ó Maria, ao Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo? Falai, Senhora, porque o Vosso Filho escuta e alcançareis tudo quanto pedirdes».[1]

 

* * *

 

Mas quem estranhará que seja tão grande o poder do Coração de Maria sobre o Coração de Seu Divino Filho? Quem ignora os laços naturais e sobrenaturais que unem estes dois Corações?

O Coração de Jesus veio todo de Maria: Jesus flos Matris Virginis, é a Flor desta Virgem Mãe! Ninguém há mais de Maria do que Jesus. Todo o Seu Corpo santís­simo e por conseguinte o Seu Coração Lhe veio de Maria e de mais ninguém; por isso, com todo o direito A pode­mos chamar: «Nossa Senhora do Sagrado Coração».

E que parecidos são nos Seus afectos, nos Seus sen­timentos aqueles dois Corações? Saem um ao outro, como já o consideramos.

Eis porque ninguém melhor do que a Virgem conhece o Coração Divino de Jesus e ninguém mais intensa e per­feitamente O amou em vida mortal do que Maria. Ela mais que ninguém foi feita de propósito para amar o Sagrado Coração; Ela a Sua primeira Adoradora desde a Encarnação ao Calvário, e do Calvário à Ascensão. Logo que em suas entranhas virginais o Verbo se fez carne, todos os momentos de Maria se transformaram em actos de perfeitíssima adoração. A primeira pulsação que em Seu seio bendito deu o Coração de Jesus, teve a acompanhá-la, em amorosa correspondência, as pulsações fervorosas do Coração Imaculado de Maria.

Ela, incomparavelmente melhor do que Santa Margarida Maria, escutou desde então aquelas palavras: «eis o Coração que tanto tem amado os homens» e reconheceu em Si mesma a mais eloquente prova desse amor de Jesus aos filhos de Adão. E por isso, que cânticos parecidos ao. Magnificat entoaria no silêncio da Sua casa! Ditosos os Anjos que acompanharam esses poemas de amor!

Ela é a primeira Adoradora, a primeira alma apaixonadamente, divinamente Amante do Coração de Jesus e também a primeira Reparadora, a Sua primeira Vítima. Já o meditámos ao contemplar o Coração Doloroso de Maria. Desde a profecia de Simeão até á Morte de Jesus, toda a vida daquele Coração maternal foi martírio; foi sofrer a uníssono com o Coração de Seu Filho, por com­paixão para com Ele, em expiação com Ele dos pecados do mundo e em desagravo à Divina Majestade ofendida.

Por sua vez, como não corresponderia a esse amor de Sua Mãe, Jesus, Ele que nunca se deixa vencer em generosidade e amor? Aqui sim que Jesus podia excla­mar com verdade: «As minhas delícias são estar com os filhos dos homens». Em Maria encontrava Jesus as Suas delícias melhor do que em nenhuma criatura. Maria mais que ninguém Lhe conquistou o Coração e se fez pelo amor Senhora dele. Por isso, bastará uma palavra Sua, para que Jesus corresponda logo aos maternais desejos. — «Não têm vinho!» — diz Ela, nas bodas de Caná da Galileia — e ainda que não tinha chegado a hora dos milagres, Jesus antecipa essa hora, para satisfazer os desejos do Coração de Sua Mãe.

A Santa Margarida Maria, em prémio do amor sem limites que ela consagrava ao Seu Divino Coração, constituiu-a Jesus herdeira universal desse mesmo Coração e Sua tesoureira. Mas quem quererá comparar o amor de Margarida Maria com o amor da Virgem Santíssima ao Coração do Seu Unigénito? Seria comparar a luz de uma ténue candeiazinha com a luz do Sol. Por isso quem avaliará o poder conferido por Jesus a Sua Mãe sobre o Seu Sagrado Coração?

 

* * *

 

Por todas estas razões apresenta-se-nos também Nossa Senhora como a melhor Mestra da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus e é portanto na escola de Maria que devemos aprender essa devoção salvífica.

Não teve outra Mestra, Santa Margarida Maria Alacoque. Falando dos princípios da sua vida espiritual, es­creve na Autobiografia: «Não me atrevia a dirigir-me a Seu Divino Filho, mas sempre a Ela e oferecia-Lhe diariamente uma parte do Rosário, que rezava com os joelhos em terra ou fazendo uma genuflexão ou beijando o chão a cada Ave-Maria. A Santíssima Virgem apoderou-se de tal forma do meu coração, que tendo-me por Sua, me governava à Sua vontade, como coisa que Lhe estava dedicada; repreendia-me das faltas e ensinava-me a cum­prir a vontade de Deus».

«De outra vez dignou-se (o meu Divino Esposo) ensinar-me as disposições que devemos ter nos nossos mais importantes exercícios. Para ouvir Missa convém ter as mesmas disposições da Santíssima Virgem ao pé da Cruz. Na Sagrada Comunhão queria o Senhor que nos oferecêssemos a Ele com as disposições da nossa dulcíssima Mãe, no momento da Encarnação, procurando participar delas o mais que possa ser e pedindo-as a Deus por intercessão desta Senhora, dizendo com Ela: eis aqui a escrava do Senhor. Na oração devia oferecer-Lhe as disposições que adornavam a alma de Nossa Senhora, quando foi apresen­tada no Templo!»

«Pus-te como um depósito — lhe dizia Jesus — ao cui­dado de Minha Mãe, para que Ela te modele segundo os meus desígnios».

Não são menos significativas as palavras que a Santíssima Virgem uni dia, lhe dirigiu, depois de lhe ter dado o Menino Jesus, para que O acariciasse: «Eu quero que vivas inteiramente abandonada ao meu poder... quer te acaricie, quer te atormente, não deves ter outros movimentos mais do que os que Eu te der».[2]

Não admira depois disto, que Margarida Maria tenha saído tão aproveitada discípula do Coração de Jesus, se teve tal Mestra. Por isso ela também não separava da devoção ao Coração de Jesus, a devoção ao Coração de Maria. Em carta ao P. Croiset, que preparava um volume sobre a devo­ção ao Santíssimo Coração de Jesus, escrevia-lhe a Santa: «muito me contenta o que V. R. me diz da intenção em que está de fazer o livro o melhor que puder... Não esqueça de inserir nele as ladainhas do Coração da Santís­sima Virgem, nossa boa Mãe».[3]

O  seu Director Espiritual, o B. P. Cláudio de La Colombière — o fiel Amigo do Divino Coração — como Jesus o designou, escrevia no seu «Retiro Espiritual»: «que o meu coração esteja sempre no de Jesus e de Maria; quero que o meu coração não se agite nem se mova, senão segundo a impressão e impulso que receber destes Corações».

Entremos pois afoita e confiadamente na escola do Coração de Maria; escutemos e aprendamos bem as Suas lições e sairemos consumados na ciência e devoção ao Coração de Jesus e mais uma vez se verificará que per Mariam ad Jesum»: por Maria a Jesus; pelo Coração de Maria ao Coração de Jesus!


[1]S. Bernardo in Annunt. Serm. 3, n. 7.

[2] Cfr. Bainvel, obr. cit. I p. c. III, I; podem também ler-se estes excertos num belo artigo do P. Macten S.J., no Mensageiro de Maria, de 1937, pág. 165 e segs.

[3] Vie et Ocuvres, II, pág. 617.