PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

Coração da Medianeira

«Diz a toda a gente que Deus nos concede as graças
por meio do Coração Imaculado de Maria.»
Jacinta

Santa Margarida Maria Alacoque dá-nos em suas cartas a razão por que Jesus quer ver honrado o Seu divino Coração com especiais demonstrações de piedade: «é para, renovar nas almas os efeitos da Sua Redenção, fazendo deste Coração como que um segundo Medianeiro entre Deus e os homens».[1]

Bainvel, comentando, diz-nos, que Santa Margarida considerava portanto, esta manifestação como um grande acontecimento na história do mundo. E como uma era nova que começa, para quem quiser submeter-se às influências, deste Divino Coração. Não que Jesus não fosse já todo nosso, com todos os Seus tesoiros, pela Encarnação e Redenção; mas há como que um passo mais de Jesus para nós, como uma nova oferta de tudo o que Ele é e de tudo o que tem, dando-nos o Seu Coração... Na manifestação do Seu Coração há uma nova declaração de amor, muito viva e ardente e por isso, um novo apelo a que O amemos».[2]

Também lhe chama Santa Margarida Nova Redenção de Amor, isto é: nova efusão de graças e meio mais pronto para as obter.

Confiado neste Novo Medianeiro, nesta Nova Reden­ção, Leão XIII entregava confiadamente o mundo todo ao Coração Divino, dizendo-nos, que Nele devemos colocar a nossa esperança; por Ele esperar a salvação».[3]

Na hora trágica em que a Humanidade inteira se via a braços convulsamente com a maior calamidade que jamais desabou sobre a Terra depois do dilúvio, um novo sinal no Céu se nos depara como Arca de Salvação ofer­tada aos homens, todo nimbado na doce esperança de so­corro e de Paz. E o Coração de Maria.

Se alguém o duvida, oiça a Jacinta: «diz a toda a gente, que Deus nos concede as graças por meio do Cora­ção Imaculado de Maria; que lhas peçam a Ela, que o Coração de Jesus quer, que a Seu lado se venere o Coração Ima­culado de Maria. Que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria, que Deus lha entregou a Ela».

Segundo as revelações de Fátima, o Coração de Maria aparece também, como uma nova oferta, mais expressiva, mais ardente, se é possível, da Mediação de Nossa Senhora junto de Deus e de Seu Filho. Daí as promessas de graças extraordinárias: «A quem abraçar esta devoção prometo a salvação. Estas almas serão predilectas de Deus, como flores postas por Mim diante do Seu trono — dizia Nossa Senhora à Irmã Lúcia, a 17 de Dezembro de 1927. E são já bem conhecidas as graças prometidas à prática dos primeiros sábados: «Diz que prometo assistir com as graças necessárias à salvação, a todos os que no primeiro sábado de cinco meses seguidos, se confessarem, receberem a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem com­panhia durante quinze minutos, meditando nos quinze mis­térios do Rosário, com o fim de Me desagravarem».[4]

É por intermédio de Maria, que devemos esperar todas as graças — escrevia Sua Santidade Pio XII ao Cardeal Secretário de Estado, a 15 de Abril de 1942. Portanto exortamos a recorrerem a Ela, e especialmente no próximo mês que Lhe é dedicado... Todos sabem, na verdade, que sendo Jesus Cristo, Rei universal, Senhor dos que dominam e conservam em suas mãos as sortes dos indivíduos e dos povos, Sua Santa Mãe venerada por todos os fiéis como Rainha do mundo, tem junto dele o maior poder de intercessão. E se o primeiro milagre operado pelo Divino Redentor em Caná de Galileia, se deve à Sua suplicante misericórdia: se Seu Filho unigénito enquanto estava pendente na cruz, nos deixou o que Lhe era mais caro, dando-nos por mãe Sua própria Mãe; se finalmente no decorrer dos séculos os nossos antepassados recorreram a Ela confiadamente em todas as calamidades públicas e particulares: porque não nos confiaremos nós e todas as nossas coisas ao Seu poderosíssimo patrocínio, enquanto o mundo se debate numa pavorosa crise actual?

«Porque tudo obedece aos desígnios divinos, assim se pode ter por certo, que em qualquer momento, Seu Unigénito escuta benignamente as preces de Sua Divina Mãe; e agora especialmente que a Santíssima Virgem goza da eterna bem-aventurança no Céu, aureolada de triunfal coroa, e saudada como Rainha dos Anjos e dos homens. Pois se junto de Deus Ela goza de tanto poder, certamente terá piedade de nós, sendo como é Mãe amorosíssima».

No mesmo ano em Outubro, o mesmo Sumo Pontífice Pio XII, paralelamente ao que fez Leão XIII com o Coração de Jesus, confiando nessa especial mediação do Coração de Maria, «seguro de conseguir misericórdia e encontrar graça e auxílio oportuno nas presentes calamidades» consagrou o mundo ao Imaculado Coração da Virgem Mãe.

«Assim como ao Coração de Jesus foram consagrados a Igreja e todo o género humano, para que colocando nele todas as suas esperanças, lhe fosse sinal e penhor de vitória e salvação (é Pio XII que fala na dita Consagração) assim nós nos consagramos perpetuamente a Vós e ao vosso Coração Imaculado, à Mãe nossa e Rainha do mundo».

A radiomensagem e a Consagração não só supõem implicitamente a mediação universal de Nossa Senhora, mas afirmam-na em termos expressos e esse documento passa a constituir mais um precioso argumento da grande prerrogativa da Mãe de Deus.

 

* * *

 

Com este acto, o Pontífice respondeu a um duplo pedido feito há tantos anos à Santa Sé pela Cristandade: a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e a Sua proclamação como Rainha do universo.

A Consagração é formalíssima nas palavras que se seguiram à mensagem e repetidas depois solenemente na Igreja de S. Pedro; e a proclamação de Nossa Senhora como Rainha do mundo, também nos parece bem explicita nos termos finais ainda agora citados: «O Mãe nossa e Rainha do mundo!»

Mas dir-se-ia que neste documento Sua Santidade Pio XII visava mais longe. Outro pedido não menos insis­tente e piedoso dos fiéis à Santa Sé tem sido o da defini­ção dogmática da Mediação Universal de Nossa Senhora

Afigura-se-nos, que este acto do Pontífice é como uma preparação próxima para o dia que não virá longe da suspirada definição.

Com efeito: a Consagração, em primeiro lugar pres­supõe a Mediação de Maria Santíssima. Na verdade, Mediação significa a prerrogativa pela qual a Virgem Maria está colocada entre Deus e os homens para junto do Altíssimo interceder por eles, alcançando-lhes perdão dos pecados e penas merecidas e obtendo-lhes todas as graças e favores de que necessitam. E uma participação da Mediação primária e essencial de Cristo e por isso, dela inteiramente dependente, a ela subordinada e rece­bendo dela toda a eficácia e valor.

Para maior proveito e consolação dos homens con­cedeu Jesus à Sua e nossa Mãe esta glória que em nada obscurece a luz do sol pelo qual ela é iluminada — Delicadeza extrema do Coração de Jesus! «Nenhuma ternura nem dedicação da perfeita maternidade faltam à paterni­dade do Novo Adão; mas nós não sabemos bem vê-las nele; e Maria para os nossos olhos tão débeis, para os nossos corações tão desconfiados e tardios em crer, é uma revelação o mais persuasiva e o mais encantadora possível dessa ternura e dedicação. Vós nos dizeis, à Maria, o que o homem mais necessidade tem talvez de saber e que tanto lhe Custa a crer: que Deus é Pai e que ninguém é tão Pai como Ele e que Jesus tem por nós ternuras de Mãe!»[5]

Já por ter concebido e dado à luz a Jesus, Maria ficou como que fisicamente constituída Medianeira entre Deus e os homens. Mas, prestando o Seu consentimento para a Encarnação interveio moralmente como Medianeira nesse grande passo da nossa Redenção; Maria disse nela a última palavra: fiat mihi secundum verbum tuum!

Especialmente ainda exerceu o Seu mister de Media­neira pela parte que tomou na imolação e oblação de Seu Filho no Calvário. Participou na imolação, porque sendo Aquele Corpo crucificado carne da Sua carne, cedeu como Mãe aos Seus direitos e entregou Seu Filho à morte pelos homens e nessa Paixão e nessa Morte foi Ela também terrivelmente imolada pelas dores do Coração e da alma.

Participou na oblação, porque unia o seu Coração ao de Jesus que sem cessar exclamava no íntimo: «Pai, não se faça a minha vontade, mas a Vossa».

Hoje Maria Santíssima continua, a uníssono com Jesus, o Seu oficio de Medianeira, intercedendo sem cessar por nós junto de Deus.

Pois bem: toda a Consagração feita por Pio XII ao Coração Imaculado de Maria, supõe esta verdade católica. Se a cada uma das cláusulas dessa Consagração fôssemos indagando o porquê, deveríamos dar esta razão adequada: é que Maria é Medianeira.

O Sumo Pontífice diz afoitamente logo de entrada: «Ao Vosso trono súplices nos prostramos, seguros de con­seguir misericórdia e de encontrar graça e auxílio opor­tuno nas presentes calamidades».

Como conseguiria essa misericórdia e encontraria essa graça e auxílio, se Maria não tivesse por oficio alcançar-no-lo junto de Seu Filho, como Medianeira de todas as graças?

E porque Lhe entrega toda a Igreja e todo o mundo? Porque a Sua mediação como a de Jesus é universal: toda a Igreja e todo o mundo Lhe está confiado por Deus. E como essa universalidade se estende não só às pessoas, mas também a toda a espécie de graças, de ordem temporal e de ordem espiritual, que de algum modo se podem relacionar com a economia da salvação, o Papa põe diante de Maria Santíssima «tantas rumas materiais e morais, tantas dores, tantas agonias dos pais, das mães, dos esposos, dos irmãos, das criancinhas inocentes; tantas vidas ceifadas em flor; tantos corpos despedaçados na horrenda carnificina; tantas almas torturadas e agoni­zantes, tantas em perigo de se perderem eternamente!»

Como Medianeira universal, Maria é distribuidora de todas as graças, por isso, Sua Santidade implora sem hesi­tação toda essa variedade de graças enumeradas na Consagração: «misericórdia e paz e as graças que podem num momento converter os humanos corações, as graças que preparam e conciliam a paz».

A Consagração pressupõe a Mediação universal de Maria. Mas há mais: o Papa claramente chama Medianeira a Nossa Senhora, na Mensagem de Outubro do 1942, a Portugal, nas palavras que precederam a Consagração: «Com todo o afecto de Nossa alma — diz — Nos unimos convosco para louvar e engrandecer ao Senhor, dador de todos os bens; para bendizer e dar graças Aquela por cujas mãos a magnificência Divina nos comunica torrentes de graças».

E mais expressamente se é possível: «hoje só nos resta a confiança em Deus e como Medianeira perante o trono divino, naquela que um Nosso Predecessor, no primeiro conflito mundial, mandou invocar como Rainha da Paz».

Além disso, no precioso documento encontram-se re­petidas expressões com que se designam vários aspectos de Mediação de Nossa Senhora: «Rainha do Santíssimo Rosário: Auxílio dos Cristãos; Refúgio do género humano; Vencedora de todas as grandes batalhas de Deus; Mãe de Misericórdia; Rainha da Paz; Mãe nossa; Rainha do mundo».

 

* * *

 

Mas agora fixemo-nos num ponto cheio de suavidade e conforto para as nossas almas. Não foi a Maria simplesmente, mas também expressamente ao Seu Coração Imaculado, que o Papa fez a Consagração do mundo.

É o Espírito Santo a mostrar-nos, quanto deseja que advirtamos neste tesoiro escondido e o tomemos para re­médio de todos os nossos males e manancial de todos os bens que necessitamos.

Numa palavra: é pelo Coração de Maria que have­mos de solicitar a Sua Mediação a nosso favor. E que pedir seta o que for, pelo Coração Imaculado, é apresentar ao Eterno Pai, a Seu Filho Jesus e à mesma Virgem Santíssima o motivo mais eficaz que se pode excogitar.

O       Coração Imaculado de Maria significa o melhor ponto de vista, a quinta-essência de tudo o que há de mais sublime e agradável a Deus em Maria. Apresentar ao Eterno Pai esse Coração, como razão das nossas petições, é lembrar o amor dessa Filha predilecta para com o Criador, esse amor que A levou a não hesitar uni instante no cumprimento de toda a Vontade divina, na aceitação de todas as imolações. «Porque dizeis Vós o Vosso fíat na Encarnação Redentora? — pergunta Sauvé — Por amor: O Vosso consentimento nasce do Vosso Coração tão amante e tão puro».[6]

Por isso a Jacinta nos ensina «que Deus nos concede todas as graças por meio do Coração Imaculado de Maria». E acrescenta também: «Que o Coração de Jesus quer que a Seu lado se venere o Coração Imaculado de Maria».

Implorar a Jesus ou do Seu Coração qualquer graça pelo Coração Imaculado de Marta, é lembrar-Lhe todo aquele amor de Mãe que Jesus saboreou como o Seu me­lhor manjar, desde a Encarnação ao presépio, desde o pre­sépio ao Calvário desde o Calvário à subida ao Céu; é recordar-Lhe todo esse momento, até que subiu também Ela ao Céu; é pôr-Lhe diante o amor que a Virgem agora lã na Glória Lhe consagra; e Jesus não tem lá melhor amor depois do de Seu Eterno Pai, que o amor do Cora­ção de Sua Mãe. Por isso, como não há-de ouvir-nos?

Pedir a Maria pelo Seu Coração é lembrar-Lhe que é nossa Mãe: monstra Te esse Matrem. Digamos melhor: é mostrar-Lhe que nos lembramos de que Ela é nossa Mãe, porque Ela da Sua parte nunca o esquece. É mostrar-Lhe que nos recordamos do muito que esse amor por nós A fez sofrer; do muito que esse amor por nós A teve solícita dia e noite, enquanto viveu neste mundo e do muito que ainda agora Continua por nós solícita no Céu.

«O Coração Imaculado de Maria — escreve a Irmã Lúcia — é o meu refúgio, principalmente nas horas difíceis e aí estou sempre salva. É o Coração da melhor das Mães, sempre atenta velando pela última das suas filhas. Como esta certeza me alenta e me conforta! Nela encontro força e consolação. Este Coração Imaculado é o canal por onde Deus faz jorrar sobre a minha alma a multidão das suas graças»[7].

Em conclusão e resumo: o exercício da Mediação é essencialmente um exercício de amor e por isso, uma função essencialmente também do Coração de Maria.


[1] Lettres, 43.

[2] Bainvel, La Dévotiou au Sacré Coeur, I, c. II, VII.

[3] Annum Sacrum.

[4] Dizia S. Bernardo: «Considera, à homem, o desígnio de Deus, desígnio cuja finalidade é dispensar-nos mais profusameute Sua Misericórdia. Querendo Ele remir o género humano, depositou o preço in­teiro da Redenção nas mãos de Maria, para que o reparta à sua Von­tade». (cit. por S. Afonso Maria de Ligório, nas Glórias de Maria, pg. 83, Petrópolis).

[5] Sauvé, Marie Intime, pág. 190-191, 5.ª ed.

[6] Obr. cit. pág. 194.

[7] Carta de I-IX-1940.