O Mais Belo dos
Corações
«Era uma Senhora
tão linda, tão bonita».
Jacinta
— Ai que Senhora
tão bonita! — exclamava a Jacinta, logo depois de vir a si, após a primeira
Aparição da Virgem, a 13 de
Maio.
— Estou mesmo a ver
que ainda vais dizer a alguém! — advertia a Lúcia.
— Não digo não,
está descansada.
Mas o coraçãozinho
da Jacinta transbordava com tanto encantamento; aquele rosto tão
deslumbrantemente belo da Senhora enchia-lhe a alma de luz e de gozo. E como da
abundância do coração falam os lábios, apesar dos seus bons propósitos feitos
à prima, mal chegou a casa e viu a mãe, a Sr.a Olímpia, correu para ela,
agarrou-se-lhe às saias e exclamou:
— Ó mãe, vi hoje na
Cova da Iria Nossa Senhora!
— Credo, filha! Es
uma boa santa para veres Nossa Senhora! — respondeu a Sr.a Olímpia.
Apesar desta
primeira repulsa, à noitinha, à hora da ceia, a mãe sempre lhe perguntou:
— Ó Jacinta, conta
lá como foi isso de Nossa Senhora, na Cova da Iria.
«E ela pranteou-se
a contar as coisas — diz a mãe — com a maior simplicidade deste mundo: — Era uma
Senhora tão linda, tão bonita... tinha um vestido branco e um cordão de oiro ao
pescoço até ao peito... A cabeça estava coberta por uni manto branco, também;
muito branco, não sei: mais branco que o leite.., e tapava-A até aos pés. Era
todo bordado de oiro... ai, que bonito!... Tinha as mãos juntas assim... — E a
pequena levantava-se do banquito, juntava as mãos à altura do peito a imitar a
visão.
Entre os dedos
tinha as contas. Ai que lindo tercinho que Ela tinha!.., todo de oiro brilhando
como as estrelas da noite. E um crucifixo que luzia... que luzia... Ai que linda
Senhora!...»
De toda esta
encantadora narração se depreende que a Senhora de Fátima foi para os
Pastorinhos na Aparição, um espectáculo maravilhoso de beleza.
— «Entre a luz que
A envolvia, via-se uma Senhora perfeita em tudo!» — sintetizou também a Lúcia.
Que admira se
estava ali o mais Belo dos Corações!
Sine macula!
Sem mancha; sem pecado
original, sem nódoa de qualquer falta actual deliberada nem indeliberada, sem
sombra de deslize ou imperfeição moral; isenta de todas as deprimentes
consequências da concupiscência, que entenebrecem a inteligência e debilitam a
vontade humana, Maria Santíssima brilha como o mais terso espelho, que saiu das
mãos do Criador: speculum sine macula, onde depois da humanidade de
Jesus, melhor e mais ao vivo se reflecte o candor da luz eterna:
Candor lucis aeternae!
Depois de termos
estudado o Seu Coração Imaculado e Virginal, contemplemos ou tentemos
contemplar os esplendores que se desprendem da Sua beleza sem par, já que para
ela nos chamam a atenção as revelações de Fátima, tanto mais que essa beleza é
arma poderosa para nos conquistar os corações.
Falecer-nos-ão as forças, logo à primeira vista de conjunto ante essa maravilha
— pulcherrima mulierum — que ofusca os Anjos? O nosso olhar afeito apenas
a lobrigar à luz mortiça e débil das criaturas mesquinhas, sentir-se-á
cegar, quando fitar Aquela a quem o sol veste com todos os seus fulgores e a lua
serve de escabelo: mulier amicta sola et
luna sub pedibus ejus?
Embora! Também aos
grandes génios da arte crista faleceram as forças, quando tentaram descantar a
beleza de Maria; mas nem por isso foram gualdidos os seus esforços. Das
obras-primas mariais que legaram à posteridade ecoa imponente esta verdade — o
melhor hino na Terra que se pode tecer à Beleza de Maria - que a Sua formosura é
inefável nem há portanto, no mundo potência capaz de a compreender, quanto mais
de a traduzir! Só o Supremo Artista que a ideou e realizou, a pode compreender
plenamente.
Distingue-se em
Maria uma dupla beleza, ou uni aspecto duplo da Sua beleza: a beleza corporal ou
física e a beleza espiritual. Fixemo-nos na que mais salta aos olhos, nem nos
embaracem as palavras da Escritura, ao advertirem-nos: fallax gratia et vana
est pulchritudo: é falaz a graça e vã a pulcritude ,
porque quando os dons que embelezam o corpo reverberam da virtude e da graça
sobrenatural, merecem toda a estima, pois são um dom do Céu. De mais a mais no
composto humano, a beleza corporal, embora se distinga, não anda separada da
beleza espiritual, antes é esta a sua razão e raiz e tanto mais encanto terá e
prazer estético despertará, quanto mais participar da beleza espiritual: ou por
outras palavras, quanto mais encarnar a ideia do Divino Artista que a plasmou.
Já notou Santo
Agostinho, que a beleza primariamente é propriedade do espírito; o corpo é belo
por participação da beleza espiritual. Logo tanto mais belo será, quanto mais
bela for a ideia de que ele é encarnação sensível e quanto mais ao vivo a
realizar.
Esta singela
observação bastava, para concluirmos que, depois da humanidade santíssima de
Jesus, nada deve existir de mais belo do que Maria; mas oiçamos primeiro a
tradição.
Ecoou sempre
uníssona a voz do povo cristão, à parte algumas objecções de elementos
desafinados e insignificantes, que Maria Santíssima não só na alma, mas também
no corpo possui tudo o que a criação tem de mais belo, de mais puro, de mais
harmonioso, de mais completo e perfeito.
Maria em Seu corpo
é a jóia mais preciosa da virgindade — exclama Santo André de Jerusalém — é um
céu esplêndido, uma imagem viva da Beleza Suprema, estátua animada que o próprio
Deus fabricou» .
S. João Damasceno chama-Lhe a «obra-prima da natureza e da graça, toda bela de
corpo e mais bela de espírito e de Coração» .
«Angélica na carne e mais angélica na alma» — acrescenta Ricardo de S. Victor.
«Virgem sem par no esplendor e na beleza» — canta S. Gregório Nazianzeno .
E Santo Anselmo: «ó formosa para ser vista, amável para ser contemplada, jucunda
para ser amada, com o que superas toda a capacidade do meu coração...».
Mas não
terminávamos, se fôssemos a repetir todos os encómios que à beleza de Maria
teceram os Santos Padres e Doutores.
Suarez,
resumindo, diz que o corpo da Santíssima Virgem foi, na Sua espécie e sexo, de
perfeição consumada; assim ensinam os Padres que escreveram da Virgem, nem se
pode negar sem temeridade, pois que não há autoridade nem razão que a isso se
oponha e pelo contrário, nada existe mais conforme e consentâneo ao mistério
da Encarnação.
A beleza
sensível de Maria nunca suscitou as controvérsias que se levantaram a respeito
da beleza de Jesus; a tradição concorda unanimemente, que a Ela se aplicam as
palavras da Escritura: Tota pulchra es,
Amica mea, et macula originalis non est in Te!
A Arte cristã tem
sido fecunda no seu esforço em copiar para a tela ou para o mármore o que melhor
soube idear da beleza sensível de Maria; andou buscando e, por assim dizer,
extraindo como que a quinta-essência de todos os elementos de beleza esparsos
pela criação e todos os reuniu em Maria sublimando-os; porque Ela é de facto a
quinta, a suprema essência de toda a formosura criada, depois da humanidade do
Seu Filho.
Bela no
templo de Jerusalém, onde o Espírito Divino A prepara para misterioso destino;
bela na câmara virginal onde vive no recolhimento da oração; bela quando embala
o Deus-Menino ou O estreita contra o Seu Coração, acariciando-O; bela nos
caminhos da Judeia ou Galileia acompanhando o celeste Pregador e recolhendo as
Suas palavras; bela no Calvário, quando assiste ao Divino Agonizante e é feita
Mãe da Humanidade; bela no Cenáculo onde instrui os Apóstolos e protege a
Igreja nascente; bela enfim no trono da Glória onde reina junto de Jesus sobre
todos os coros dos Anjos».
*
* *
Maria supera em
beleza todas as criaturas, porque foi a Mãe de Jesus; aí está a grande razão da
Sua formosura.
Costuma a
natureza assemelhar entre si o gerado e o que gera, já o disse Aristóteles:
natura est vis insita rebus similia ex
similibus procreans.
Os filhos ordinariamente parecem-se com
os pais. Ora, sendo Maria verdadeira mãe de Jesus, deve Jesus parecer-se nas
feições, nos traços, nos gestos, nos movimentos com Sua Mãe e tanto mais, quanto
mais era na Terra Filho Seu e só Seu. Enquanto homem não teve Pai; todo Ele é
de Maria, gerado de Suas puríssimas entranhas, por obra do Espírito Santo.
Não há no
mundo filho que mais se pareça com sua mãe do que Cristo: Christus Matri suae
similimus super omnes filis — afirma S. Tomás de Vila Nova.
Posto isto,
Jesus é o mais belo dos filhos dos homens:
speciosus forma prae filiis hominum.
Deus de Deus, Verbo Divino, é a beleza
por essência. Em virtude da geração eterna recebe a Divindade cru toda a
plenitude infinita. Ora, quanto mais um ser está perto e participa do princípio
de toda a beleza, mais abundantemente recebe as suas influências. Mas quem mais
perto da natureza Divina do que a humanidade santíssima de Jesus, unida
hipostaticamente ao Verbo? Por isso a mais bela obra de Deus não pode deixar de
ser a humanidade do Salvador; ela a mais perfeita exteriorização da Beleza
infinita.
Logo
segue-se, que a Virgem tinha que ser o que há de mais belo entre todas as
mulheres, para poder gerar de Suas entranhas tanta beleza. «Jesus Cristo — diz
Santo Ambrósio — no poder sai ao Pai e no corpo sai à Mãe: «Christus Matrem
corpore, virtute referebat Patrem.
Porque é que
Deus aparece no Génesis tão ocupado a formar o primeiro homem? É que — observa
Tertuliano — já estava pensando no segundo Adão, em Cristo, o qual desse mesmo
barro de que formava o primeiro, havia de ser gerado:
quodcumque limus exprimabatur, Christus
cogitabatur homo factus.
«Se assim é —
comenta Bossuet — que desde a origem do mundo, Deus ao criar o primeiro homem
pensa em delinear nele o segundo; se é em vista do Salvador que forma o nosso
primeiro pai com tanto cuidado, porque dele havia de sair o Seu Filho, após unia
longa série de séculos e de gerações seguidas; hoje que eu vejo nascer a ditosa
Maria que há-de trazê-Lo em Suas entranhas, não terei mais sobrada razão para
concluir que Deus ao criar esta menina divina, pensou em Jesus Cristo e tudo
operou por Ele: Christus cogitabatur? Por isso, não vos admireis,
Cristãos, por Ele a ter formado com tanto esmero e feito aparecer neste mundo
cheia de graça. Para A tornar digna de Seu Filho, modelou-A pelo Seu mesmo
Filho; e havendo de nos dar em breve o Verbo Encarnado, dá-nos já de antemão um
Jesus Cristo em esboço, se assim me posso expressar, um Jesus Cristo começado,
numa expressão viva e natural, das Suas perfeições infinitas:
Christus cogitabatur homo factus.
Santo Afonso
Maria de Ligório repetindo a S. Bernardino de Sena, afirma, que Deus não
destruiu o homem, logo após o pecado, devido ao singular amor para com esta sua
futura Filha.
Multiplicam-se as razões para demonstrarem a mais perfeita beleza em Maria
Santíssima. Tudo naquele corpo imaculado se mostrava perfeitíssimo. «Era tão
grande a formosura daquele rosto — diz Vieira — era tão grande a majestade
daquela formosura; havia tanto que ver naquele pequeno espaço, havia tanto que
admirar... que não achou o Esposo coisa tão formosa e grande a que A comparar
senão ao empório de muitas grandezas, quais são as cidades reais e metrópoles do
mundo... decora sicut Hierusalem.
A Sua estrutura
íntima revela-nos um organismo da mais sã compleição, aliada à delicadeza mais
apurada. Temperamento, constituição, energias, sensibilidade, tudo em Maria se
une à mais perfeita harmonia. Um corpo é tanto mais perfeito — escreve com
Gerson, L. Garriguet
quanto mais dócil instrumento for para a alma. Levar à alma os tributos
do exterior para os transformar em luzes da inteligência e em chamas do coração;
trazer para o exterior as suas ordens, tais são as funções do corpo. E tanto
melhor se desempenha delas, quanto maior for a sua delicadeza, mais apurada a
sua sensibilidade. Esta sensibilidade e delicadeza não se exercitam em nós sem
causar algum desfalque aos outros elementos que nos constituem: daí vem o
mal-estar provocado pela sua supremacia, até nas naturezas mais dotadas;
preponderância sumamente preciosa, mas que quase sempre nos sai cara.
Em Maria Santíssima
contudo, reinou essa supremada, como em nenhum ser racional, no mais perfeito
equilíbrio, entre todos os elementos de um organismo admiravelmente apto para
perceber todas as impressões do exterior, para executar as ordens todas da alma.
Outra razão
intimamente unida ou incluída nas precedentes, que exige a mais excelsa beleza
física em Maria Virgem, é a suma perfeição da Sua alma e de Seu Coração.
Com efeito: a alma
é causa da vida do corpo, ou melhor: ela mesma é a sua vida; mas por isso mesmo,
é causa da beleza corporal também, e a beleza física, em igualdade de
circunstâncias, cresce com a beleza da alma. Ora, que corpo há aí nem na Terra
nem no Céu, depois do de Jesus, que encerre alma mais divinamente formosa do que
o de Maria? Alma não só Imaculada, mas cheia de graça e dos melhores dons
sobrenaturais jamais concedidos por Deus nem aos. Santos nem aos Anjos em tal
profusão e intensidade?
Mas ficará mais em
foco este ponto ao tratarmos, no capítulo seguinte, da consumada perfeição do
Coração de Maria.
Lembremos ainda
antes de concluir este, o atractivo especial que para nossos corações tem a
beleza física de Nossa Senhora. Composta de um corpo e de uma alma virginal e
isenta de qualquer laivo de concupiscência, a beleza exterior de Maria exala um
perfume celeste que se transforma ao mesmo tempo no melhor estímulo para
despertar em quem A contempla, sentimentos e afectos da mais intemerata
castidade. As outras beldades da Terra atraem-nos, cativam-nos, mas muitas vezes
precipitam-nos; esta é beldade do Céu, com cuja presença mais esplendoroso se
torna o Paraíso, no dizer de S. Bernardo, e por isso, ao atrair-nos, eleva-nos
acima do todo o pó da terra; desprende-nos das paixões; sara-nos das feridas do
pecado e inflama-nos numa ânsia de voar ao paraíso.
— Queria pedir-lhe
para nos levar para o Céu!» — dizia a Lúcia a Nossa Senhora. Era desejo nascido
espontaneamente da contemplação de tanta beleza; quem uma vez a viu, já se não
sente bem na Terra.
Hugon
escreveu no seu formoso livro La Mère de Grâce: «A beleza casta
transfigura o coração que arrebata, como o brilho de uma luz suave regozija sem
perturbar. Deus é a primeira Beleza, a primeira Virgem, o primeiro Amor e esta
Beleza torna puros os que dela se aproximam: amando-A, somos virgens. Assim com
Maria. A Sua beleza leva as almas a Deus que Ela reflecte; a flor da Sua
virgindade é um perfume em que se respira o Céu: amar a Maria é amar a pureza».
Vieira, Sermões: Serm. da Conc. da Virg. Vol.
X, págs. 139-140, ed.
Chardron, Porto.
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