O Coração de
Maria e o Espírito Santo
«Eu gosto tanto do Seu
Coração!»
Jacinta
Tentámos dizer
alguma coisa sobre as inefáveis relações existentes entre o Coração de Maria
Imaculada
e
as duas primeiras
Pessoas da Santíssima Trindade, o Pai e o Filho; segue-se
considerar esse Coração Virginal a respeito do Espírito Santo.
Maria
Santíssima na ordem sobrenatural, brilha como-a mais deslumbrante obra-prima do
Senhor, em perfeição, santidade e amor; mas «tudo o que é obra de acabamento,
aperfeiçoamento, tudo o que é obra de amor, de união e por conseguinte, de
santidade, atribui-se ao Espírito Santo».
Logo, é Ele, por autonomásia, o Autor
desta maravilha sem par. Ele o grande Artista do íntimo de Maria, do Seu
Coração. Ele que desde o primeiro instante da Conceição A fez Imaculada, A
enriqueceu da plenitude da graça: gratia plena; e que por isso, nela
realizou, ainda antes do Verbo encarnar, a mais perfeita imagem possível, na
ordem criada, do Filho de Deus: imago bonitatis illius: «porque só o
Espírito Santo é capaz de reproduzir em nós a verdadeira imagem do Filho de
Deus».
Foi evidentemente o
Espírito Santo que com a graça santificante Lhe infundiu os hábitos da Fé,
Esperança e Caridade, com as virtudes morais e todos os Seus dons e frutos
preciosíssimos, em proporção de que nem todos os Anjos juntos eram capazes. Ele
que de antemão Lhe conformou o Coração, segundo o modelo que depois havia de
encarnar em Seu seio: segundo o Coração de Jesus, para que Mãe e Filho em tudo
saíssem parecidos, um com o outro.
Em Maria fabricou o
Espírito Santo a Sua melhor mansão na Terra, para nela estabelecer para sempre o
seu templo: Dominus tecum; para ser o doce Hóspede da Sua alma e mais que
Hóspede, a Sua vida. E morando nela desde que foi concebida, desde esse momento
Lhe comunicou o Espírito do que havia de ser Seu Filho; porque o Espírito do
Filho é o Espírito Santo, que aliás o e também do Pai simultaneamente. Nesse
Espírito é Ela feita Filha predilecta do Senhor; nesse mesmo Espírito, melhor e
mais profundamente que ninguém, entre os regenerados pela graça, clamava: «Pai!
Pai!»
Pois que, para que pudéssemos chamar a
Deus nosso Pai, é que Ele enviou a nossos corações o Espírito de Seu
Filho .
Em suma: como não
existe nenhuma pura criatura mais cheia de graça do que Maria, também nenhuma
existe mais cheia do Espírito Santo. Por isso, Ela é o suavíssimo perfume do
Espírito Santo e consequentemente, o melhor perfume de Cristo. Eis porque junto
de Maria logo se sente a acção desse Espírito que A imaniza. E ver, como após a.
Encarnação, mal se aproxima de Sua Prima, imediatamente Santa Isabel se sente
inundada do Espírito Santo o mesmo acontece ao Menino de seis meses, que exulta
no claustro materno.
*
* *
Cheia do Espírito
Santo, é Maria o Seu mais consumado e delicado instrumento; Ele o criou, dispôs
e afinou para Ele mesmo dedilhar. Que bem fica a Maria o nome de «Lira do
Espírito Santo!»
Ninguém mais
atenta e capaz de escutar as lições do Divino Espírito:
erunt omnes docibiles Dei,
afirma a Escritura de todos os filhos de Deus; mas ninguém mais dócil do
que Maria Santíssima; é Ela a melhor Discípula do Espírito do Senhor. Se mais
tarde nos dirá o Evangelho, que a mãe de Jesus guardava e considerava em Seu
Coração, todas as palavras que ouvia a Seu Filho ou a respeito dele, não faz
mais do que recordar-nos o que Maria, desde o primeiro instante do uso de razão,
já tinha praticado, na escola íntima do Espírito Santo, que a todos ensina com
bons pensamentos e inflama com bons afectos.
Que sensível
e pronta em perceber e receber em Sua alma todos os divinos toques e efusões
desse Espírito Divino! E como se lhe inundava o Coração de gozo e exultava
então no Senhor: exultavit spiritus meus
in Deo Salvatore meo .
Por isso, ninguém
mais disposta para Lhe ser revelado o Espírito Santo do que Maria: Spiritus
Sanctus superveniet in te: virá sobre ti o Espírito Santo .
Ninguém mais ao
jeito do Divino Amor para O amar, para realizar as Suas obras de amor a respeito
de Deus, a respeito da Igreja e a respeito das almas.
Maria torna-se sob
a acção do Espírito Santo o mais apto instrumento para atrair a Deus as almas,
para as tirar do pecado e as levar à santidade. Razão tinha a Jacinta
para exclamar: «gosto tanto do Seu Coração !»
* * *
No momento da
Encarnação do Verbo Divino em Suas puríssimas entranhas, as relações de Maria
Santíssima com o Divino Espírito Santo atingem as culminâncias do infinito.
Era a 25 de
Março, entre os primeiros aromas da primavera que jubilava já de cores e enchia
de trinados as paisagens alegres e pacíficas da Galileia. Em Jerusalém corria a
festa da Páscoa — a solenidade com que Israel celebrava a sua libertação do jugo
faraónico. Mil e quatrocentos anos antes, tinha o povo do Senhor abandonado
finalmente, na noite para sempre memorável, a terra de Mesraim.
E eis que é enviado
por Deus a Nazaré o Arcanjo Gabriel que seis meses antes falara a Zacarias a
anunciar-lhe um filho, precursor do Messias. A Virgem encontrar-se-ia em
oração, a meditar — como considera S. Bernardino de Sena e Santo Ildefonso
Toletano — na profecia em que Isaias anuncia, que uma virgem conceberá e dará à
luz um filho que se chamará Deus-conosco. Maria oferecer-se-ia a
Deus pata vir a ser a escravazinha dessa Virgem feliz.
Nisto
ilumina-se-lhe todo o recinto com luz celestial e mostra-se visível o Anjo
Gabriel que A saúda: «Ave cheia de graça, o Senhor é contigo, tu és bendita
entre as mulheres»!
Longe andava Nossa
Senhora, tão humilde e escondida a seus próprios olhos de esperar uma tal
saudação e perturbou-se, considerando o que aquelas palavras quereriam
significar.
O Anjo sossega-A e
explica-Lhe: — Não temas, Maria, achaste graça junto de Deus; eis que conceberás
e darás à luz um Filho e chamar-Lhe-ás Jesus. Será grande e
denominar-se-á Filho do Altíssimo e dar-Lhe-á o Senhor Deus o trono de Seu Pai
David; reinará na casa de Jacob para sempre e Seu reino não terá fim» .
Estava deslindado o
enigma; Maria, conhecedora das Escrituras, compreendeu imediatamente do que se
tratava. A Sua prece tinha sido ouvida: apressara com ela a vinda do Messias a
Terra e Ela mesma era a Eleita do Senhor para ser Sua Mãe.
E que responde ao
Anjo? A vontade de Deus estava clara. Santíssima como era, não A guiava outro
critério nas Suas determinações senão o beneplácito do Senhor. Por isso não
hesita, mas trata imediatamente de indagar o que deve fazer, para executar as
ordens do Céu. E este o significado daquela interrogação: quomodo fiet istud,
quoniam virum non cognosco? Como se fará isto, já que não conheço varão?
Como se dissesse:
tendo eu de ficar virgem, que passos devo dar para se realizar o mistério que
acabas, ó Anjo, de me anunciar?
Assim pensa
Santo Ambrósio ao comentar esta passagem do Evangelho. «A Virgem — diz o Santo
Doutor— responde não para refutar o que diz o Anjo; mas conhecer, como há-de
operar-se o mistério que Lhe anuncia: Ut
qualitatem effectus disceret, non ut sermonem refelleret» .
O Anjo declara-Lhe
que nada tem a fazer da Sua parte: é só deixar operar o Espírito Santo: «O
Espírito Santo virá a Ti e cobrir-Te-à a virtude do Altíssimo. Por isso o Santo
que vai nascer de Ti chamar-se-á Filho de Deus».
Recebida a resposta
à Sua prudentíssima interrogação. Maria não vacila um momento em submeter-se à
vontade divina e por isso exclama docilmente: «eis a escrava do Senhor, faça-se
em mim segundo a tua palavra» .
E neste
momento o Verbo Divino se fez homem. Ainda que expressamente o não fizesse o
Evangelho, este acontecimento máximo tinha que atribuir-se ao Espírito Santo,
porque a Encarnação do Verbo é obra por excelência de amor: «sic Deus dilexit
mundum ut Filium suum unigenitum daret: tanto amou Deus o mundo que lhe deu
o Seu Unigénito».
Mas o Evangelista é
explícito: este mistério realizá-lo-á o poder do Altíssimo, a acção do Espírito
Santo. E Maria, sempre tão dócil a este Espírito Divino, entrega-se-Lhe para
tudo sem reservas, num acto sublime de amor. Por esta submissão de Maria à acção
criadora e formadora do Divino Espírito Santo, para que nela se realizasse a
conceição do Verbo, chamam muitos Autores modernos a Nossa Senhora, com o nome
de Esposa do Espírito Santo e a expressão acha-se autorizada em
documentos pontifícios, como Divinum Illud, de Leão XIII, a 9 de Maio de
1897.
Os antigos, segundo
investigou Terrien ,
não usam nunca desta expressão e a razão, no parecer de teólogos como Campana, é
porque esta acção do Espírito Santo de modo nenhum se pode chamar generativa,
mas formativa ou criativa, senão o Espírito Santo seria verdadeiramente pai de
Jesus, o que nunca ninguém se atreveu a afirmar.
Mas evitado este
equívoco, nenhum inconveniente há em chamar Maria Esposa do Espírito Santo,
estando como está tão autorizada esta expressão e sendo por outro lado tão
íntima a união de Maria Santíssima com este Divino Espírito e tão profunda a
acção do Senhor precisamente no mistério da Encarnação.
E agora eis esta
Virgem sem mancha, não só Filha do Amor, Mãe do Amor, mas Esposa do Amor!
Conhecendo pelo
Anjo que tudo o que nela se realizou, era obra do Espírito Santo, quais seriam
agora, mais que nunca, os afectos de Seu Coração para com Ele? Que vida de
ininterrupta união, do mais ardente e prolongado acto de amor ao Divino Amor! E
que incêndios por Sua vez, o Espírito Santo atearia nesse Coração de
formosíssimo amor, sobretudo desde esse instante da Encarnação, até atingir no
momento em que subiu ao Céu, o último limite de intensidade a que pode chegar o
amor ateado por Deus num Coração de criatura humana!
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