PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

O Coração de Maria e o Espírito Santo

«Eu gosto tanto do Seu Coração!»
Jacinta

Tentámos dizer alguma coisa sobre as inefáveis relações existentes entre o Coração de Maria Imaculada e as duas primeiras Pessoas da Santíssima Trindade, o Pai e o Filho; segue-se considerar esse Coração Virginal a respeito do Espírito Santo.

Maria Santíssima na ordem sobrenatural, brilha como-a mais deslumbrante obra-prima do Senhor, em perfeição, santidade e amor; mas «tudo o que é obra de acabamento, aperfeiçoamento, tudo o que é obra de amor, de união e por conseguinte, de santidade, atribui-se ao Espírito Santo». [1] Logo, é Ele, por autonomásia, o Autor desta maravilha sem par. Ele o grande Artista do íntimo de Maria, do Seu Coração. Ele que desde o primeiro instante da Conceição A fez Imaculada, A enriqueceu da plenitude da graça: gratia plena; e que por isso, nela realizou, ainda antes do Verbo encarnar, a mais perfeita imagem possível, na ordem criada, do Filho de Deus: imago bonitatis illius: «porque só o Espírito Santo é capaz de reproduzir em nós a ver­dadeira imagem do Filho de Deus».[2]

Foi evidentemente o Espírito Santo que com a graça santificante Lhe infundiu os hábitos da Fé, Esperança e Caridade, com as virtudes morais e todos os Seus dons e frutos preciosíssimos, em proporção de que nem todos os Anjos juntos eram capazes. Ele que de antemão Lhe conformou o Coração, segundo o modelo que depois havia de encarnar em Seu seio: segundo o Coração de Jesus, para que Mãe e Filho em tudo saíssem parecidos, um com o outro.

Em Maria fabricou o Espírito Santo a Sua melhor mansão na Terra, para nela estabelecer para sempre o seu templo: Dominus tecum; para ser o doce Hóspede da Sua alma e mais que Hóspede, a Sua vida. E morando nela desde que foi concebida, desde esse momento Lhe comunicou o Espírito do que havia de ser Seu Filho; porque o Espírito do Filho é o Espírito Santo, que aliás o e também do Pai simultaneamente. Nesse Espírito é Ela feita Filha predilecta do Senhor; nesse mesmo Espírito, melhor e mais profundamente que ninguém, entre os regenerados pela graça, clamava: «Pai! Pai!» [3] Pois que, para que pudéssemos chamar a Deus nosso Pai, é que Ele enviou a nossos corações o Espírito de Seu Filho [4].

Em suma: como não existe nenhuma pura criatura mais cheia de graça do que Maria, também nenhuma existe mais cheia do Espírito Santo. Por isso, Ela é o suavíssimo perfume do Espírito Santo e consequentemente, o melhor perfume de Cristo. Eis porque junto de Maria logo se sente a acção desse Espírito que A imaniza. E ver, como após a. Encarnação, mal se aproxima de Sua Prima, imediata­mente Santa Isabel se sente inundada do Espírito Santo o mesmo acontece ao Menino de seis meses, que exulta no claustro materno.

 

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Cheia do Espírito Santo, é Maria o Seu mais consumado e delicado instrumento; Ele o criou, dispôs e afinou para Ele mesmo dedilhar. Que bem fica a Maria o nome de «Lira do Espírito Santo!»

Ninguém mais atenta e capaz de escutar as lições do Divino Espírito: erunt omnes docibiles Dei[5], afirma a Es­critura de todos os filhos de Deus; mas ninguém mais dócil do que Maria Santíssima; é Ela a melhor Discípula do Es­pírito do Senhor. Se mais tarde nos dirá o Evangelho, que a mãe de Jesus guardava e considerava em Seu Coração, todas as palavras que ouvia a Seu Filho ou a respeito dele, não faz mais do que recordar-nos o que Maria, desde o primeiro instante do uso de razão, já tinha praticado, na es­cola íntima do Espírito Santo, que a todos ensina com bons pensamentos e inflama com bons afectos.

Que sensível e pronta em perceber e receber em Sua alma todos os divinos toques e efusões desse Espírito Di­vino! E como se lhe inundava o Coração de gozo e exul­tava então no Senhor: exultavit spiritus meus in Deo Sal­vatore meo [6].

Por isso, ninguém mais disposta para Lhe ser revelado o Espírito Santo do que Maria: Spiritus Sanctus superveniet in te: virá sobre ti o Espírito Santo [7].

Ninguém mais ao jeito do Divino Amor para O amar, para realizar as Suas obras de amor a respeito de Deus, a respeito da Igreja e a respeito das almas.

Maria torna-se sob a acção do Espírito Santo o mais apto instrumento para atrair a Deus as almas, para as tirar do pecado e as levar à santidade. Razão tinha a Jacinta para exclamar: «gosto tanto do Seu Coração !»

 

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No momento da Encarnação do Verbo Divino em Suas puríssimas entranhas, as relações de Maria Santíssima com o Divino Espírito Santo atingem as culminâncias do infinito.

Era a 25 de Março, entre os primeiros aromas da pri­mavera que jubilava já de cores e enchia de trinados as paisagens alegres e pacíficas da Galileia. Em Jerusalém corria a festa da Páscoa — a solenidade com que Israel celebrava a sua libertação do jugo faraónico. Mil e quatrocen­tos anos antes, tinha o povo do Senhor abandonado finalmente, na noite para sempre memorável, a terra de Mesraim.

E eis que é enviado por Deus a Nazaré o Arcanjo Gabriel que seis meses antes falara a Zacarias a anun­ciar-lhe um filho, precursor do Messias. A Virgem encon­trar-se-ia em oração, a meditar — como considera S. Bernardino de Sena e Santo Ildefonso Toletano — na profecia em que Isaias anuncia, que uma virgem conceberá e dará à luz um filho que se chamará Deus-conosco. Maria ofere­cer-se-ia a Deus pata vir a ser a escravazinha dessa Virgem feliz.

Nisto ilumina-se-lhe todo o recinto com luz celestial e mostra-se visível o Anjo Gabriel que A saúda: «Ave cheia de graça, o Senhor é contigo, tu és bendita entre as mulheres»!

Longe andava Nossa Senhora, tão humilde e escondida a seus próprios olhos de esperar uma tal saudação e perturbou-se, considerando o que aquelas palavras que­reriam significar.

O Anjo sossega-A e explica-Lhe: — Não temas, Maria, achaste graça junto de Deus; eis que conceberás e darás à luz um Filho e chamar-Lhe-ás Jesus. Será grande e denominar-se-á Filho do Altíssimo e dar-Lhe-á o Senhor Deus o trono de Seu Pai David; reinará na casa de Jacob para sempre e Seu reino não terá fim» [8].

Estava deslindado o enigma; Maria, conhecedora das Escrituras, compreendeu imediatamente do que se tratava. A Sua prece tinha sido ouvida: apressara com ela a vinda do Messias a Terra e Ela mesma era a Eleita do Senhor para ser Sua Mãe.

E que responde ao Anjo? A vontade de Deus estava clara. Santíssima como era, não A guiava outro critério nas Suas determinações senão o beneplácito do Senhor. Por isso não hesita, mas trata imediatamente de indagar o que deve fazer, para executar as ordens do Céu. E este o significado daquela interrogação: quomodo fiet istud, quoniam virum non cognosco? Como se fará isto, já que não conheço varão?

Como se dissesse: tendo eu de ficar virgem, que passos devo dar para se realizar o mistério que acabas, ó Anjo, de me anunciar?

Assim pensa Santo Ambrósio ao comentar esta pas­sagem do Evangelho. «A Virgem — diz o Santo Doutor— responde não para refutar o que diz o Anjo; mas conhecer, como há-de operar-se o mistério que Lhe anuncia: Ut qualitatem effectus disceret, non ut sermonem refelleret» [9].

O Anjo declara-Lhe que nada tem a fazer da Sua parte: é só deixar operar o Espírito Santo: «O Espírito Santo virá a Ti e cobrir-Te-à a virtude do Altíssimo. Por isso o Santo que vai nascer de Ti chamar-se-á Filho de Deus».

Recebida a resposta à Sua prudentíssima interroga­ção. Maria não vacila um momento em submeter-se à vontade divina e por isso exclama docilmente: «eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua pala­vra» [10].

E neste momento o Verbo Divino se fez homem. Ainda que expressamente o não fizesse o Evangelho, este acontecimento máximo tinha que atribuir-se ao Espírito Santo, porque a Encarnação do Verbo é obra por excelência de amor: «sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret: tanto amou Deus o mundo que lhe deu o Seu Unigénito»[11].

Mas o Evangelista é explícito: este mistério realizá-lo-á o poder do Altíssimo, a acção do Espírito Santo. E Maria, sempre tão dócil a este Espírito Divino, entrega-se-Lhe para tudo sem reservas, num acto sublime de amor. Por esta submissão de Maria à acção criadora e for­madora do Divino Espírito Santo, para que nela se realizasse a conceição do Verbo, chamam muitos Autores modernos a Nossa Senhora, com o nome de Esposa do Espírito Santo e a expressão acha-se autorizada em docu­mentos pontifícios, como Divinum Illud, de Leão XIII, a 9 de Maio de 1897.

Os antigos, segundo investigou Terrien [12], não usam nunca desta expressão e a razão, no parecer de teólogos como Campana, é porque esta acção do Espírito Santo de modo nenhum se pode chamar generativa, mas formativa ou criativa, senão o Espírito Santo seria verdadeiramente pai de Jesus, o que nunca ninguém se atreveu a afirmar.

Mas evitado este equívoco, nenhum inconveniente há em chamar Maria Esposa do Espírito Santo, estando como está tão autorizada esta expressão e sendo por outro lado tão íntima a união de Maria Santíssima com este Divino Espírito e tão profunda a acção do Senhor precisa­mente no mistério da Encarnação.

E agora eis esta Virgem sem mancha, não só Filha do Amor, Mãe do Amor, mas Esposa do Amor!

Conhecendo pelo Anjo que tudo o que nela se rea­lizou, era obra do Espírito Santo, quais seriam agora, mais que nunca, os afectos de Seu Coração para com Ele? Que vida de ininterrupta união, do mais ardente e prolongado acto de amor ao Divino Amor! E que incêndios por Sua vez, o Espírito Santo atearia nesse Coração de formosíssimo amor, sobretudo desde esse instante da Encarna­ção, até atingir no momento em que subiu ao Céu, o último limite de intensidade a que pode chegar o amor ateado por Deus num Coração de criatura humana!


[1] D. Columba Marmion, O.S.B., Jesus Cristo Vida da Alma, pág. 108, Braga, 1926.

[2] D. Columba Marmion, Jesus Cristo em seus mistérios, pág. 32, ib. 1937.

[3] GaI. IV, 5.

[4] 1 Cor. I1I, 16.

[5] Joan. VI, 45.

[6] Luc. I, 47.

[7] Ib. ib. 35.

[8] Lc. I, 34.

[9] Cfr. ad Siric. Papam, in lect. III, offic. Sanctae Mariae in Sab. mense Decemb.

[10] Lc. 1, 30-38.

[11] Joan. III, 16.

[12] Obr. Cit. II, c. V, n.2.