PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

O Coração da Mãe de Jesus

Ama muito a Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.
Jacinta

Nada há mais primacial em Deus do que ser Pai: como Pai é o princípio sem princípio gerador do Verbo Eterno, e com o Verbo Eterno, o princípio produtor do Espí­rito Santo.

Nada há mais primacial em Maria do que ser Mãe do Verbo; eis o Seu destino ab aeterno e não teria vindo ao mundo, se não fora para ser Mãe do Verbo; e no Verbo e pelo Verbo, Mãe dos homens. Esta a Sua prerrogativa por excelência. Tudo o mais são revérberos deste sol que A reveste: mulier amicta sole.

Mostrou-se um dia a S. João Evangelista, em visão um prodígio: uma mulher coroada de doze estrelas, tendo aos pés por escabelo a lua. Mas a maior maravilha que o deslumbrava era ver essa mulher vestida de sol: mulier amicta sole[1]. Essa mulher é Maria Santíssima; o sol que A reveste e toda a transforma numa maravilha de luz inefável é a maternidade divina.

Por isso, é mal fundada a queixa dos que acham pouco o que o Evangelho nos narra de Maria Santíssima. No Velho e Novo Testamento fala Deus e as Suas pala­vras não são como as nossas; o estilo de Deus é poderoso, profundo, substancial. Em pouco diz tudo. Ao responder a Moisés quem era, atestou Deus isto só: Iahvé; palavra simplicíssima que em português se traduz: Aquele que é. Está dito tudo; daqui se derivam todos os atributos divinos.

De Maria diz só isto: Mater Jesu, Maria de qua natus est Jesus: Mãe de Jesus, Maria de quem nasceu Jesus. Está dito tudo; daqui se deduzem todas as excelsas prer­rogativas de Nossa Senhora; aqui se encerra em germe toda a Mariologia.

Portanto o louvor mais excelente que se pode tecer ao Coração de Maria, é chamar-lhe Coração da Mãe de Deus, Coração da Mãe de Jesus. Quem o considerasse independentemente deste aspecto, desfigurava-o; daria dele necessariamente uma ideia incompleta. «Não A podemos considerar como Virgem nem como Santa, sem vermos mais ou menos explicitamente nela a Mãe e a Mãe de Jesus — adverte Terrien — porque a Sua maternidade contém-na totalmente, ocupa em tudo o primeiro lugar»[2].

Sendo verdadeiramente Mãe, estabelece-se entre Ela e Deus afinidade íntima, em virtude da qual há unidade de natureza entre o Filho e a Mãe; embora a natureza do Filho seja individual e numericamente distinta da natu­reza da Mãe, contudo é o seu fruto natural, a sua imagem viva. E Jesus é fruto de Maria, mais do que nenhum filho o é de sua mãe. Maria concebeu-o corporal e espiritualmente: após uma preparação de virtudes sublimes que A tornam aos olhos de Deus tal qual Ele A queria, para que fosse Sua Mãe, foi mister o consentimento de Maria formulado expressamente, para que o Verbo de Deus se unisse à natureza e formasse da carne de Maria um corpo à imagem do nosso.

Esta ligação tão estreita e íntima, só superada pela união da natureza humana à divindade na Pessoa do Verbo, tem por termo nada menos que o mesmo Verbo, o Rei da Glória, o Criador e o Senhor do Universo. Que grandeza para Maria! Santo Alberto Magno ante esta maravilha exclama: O Filho eleva ao infinito (infinita) a excelência da Mãe, porque a infinita bondade do fruto, como que revela a infinita bondade da árvore que o gerou»[3].

Mas a medida dos dons celestes revela a medida do amor: do amor que Maria tem a Deus, Seu Filho e do amor que Deus tem a Sua Mãe. Logo é no Coração mater­nal da Virgem Mãe que encontramos o melhor ponto de vista para conhecer a esta querida Mãe de amor e Mãe do Amor.

Oh, se nos fora dado em primeiro lugar, compreender o que foi o amor de Maria a Seu Filho! Se de toda a verdadeira mãe se pode dizer, que tem de fazer maior esforço para não amar, do que para amar o seu filho; que espontâneo, que total, que perfeito seria o amor de Maria ao Seu Filho!? Este Filho era Seu e só Seu!

Todo o amor que qualquer criancinha bem nascida encontra no coração de seu pai e de sua mãe, encontrava-o Jesus todo e em grau incomparável no Coração de Maria. Nemo tam pater nisi Deus: ninguém é tão Pai como Deus, disse algures Tertuliano; ninguém é tão Mãe como Maria, podemos nós acrescentar. Este amor maternal não tem que partilhar-se por outros frutos de Suas entranhas: Jesus é unigénito de Maria.

Depois sendo amor virginal, possui especiais encan­tos, mais finos ardores este amor da Virgem-Mãe. Como tal é criação única do Espírito Santo; amar a um filho com amor materno e ao mesmo tempo virginal, só Maria-Virgem, só a Virgem-Mãe. Amor que sobe ao auge se considerarmos, que Maria em Jesus via o Seu Filho, mas muito mais ainda, via o seu Deus e ninguém cumpriu me­lhor o preceito de amar a Deus sobre todas as coisas do que Nossa Senhora: «amarás ao Senhor Teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças». Era assim que Maria amava a Jesus.

Amando desta maneira, como considera Terrien, modelava o Seu amor a Jesus pelo amor do Eterno Pai e assim este amor de Maria é como que um prolongamento do amor do Pai a Seu Filho. Quando um decreto admirável, Deus quis associar a Virgem Maria à Sua geração e colocar em Seu seio Aquele que eternamente mora no seio do Pai, era absolutamente necessário que fizesse brotar de Seu Coração paterno para o Coração de Maria algumas centelhas do amor infinito em que Ele se abrasa para com Seu Filho único. Assim o amor de Maria a Jesus, vem-Lhe da mesma fonte donde Lhe vem a fecundidade[4].

Este amor do Coração maternal de Maria Santíssima alimentava-se poderosamente e crescia de instante a ins­tante ao contacto íntimo com a Fornalha ardente de toda a caridade, o Coração de Seu Filho e Seu Deus. No Coração de Sua Mãe realizou Jesus melhor e mais intensamente que em ninguém a ânsia com que veio do Céu pegar o fogo à Terra. Maria melhor que ninguém se deixou abrasar nesse fogo e mais do que qualquer alma privilegiada conheceu profundamente Aquele Coração que tanto tem amado os homens e que não recebe da maior parte deles senão injúrias e ingratidões.

Quid mirum — comenta S. Boaventura — si prae omni­bus diligat quae prae omnibus est dilecta? Que admira que ame mais que os outros, se mais que todas é amada?[5]

Sim: crescia ainda mais e mais por este motivo, o ardor de Seu amor a Jesus, ao sentir como ninguém, quanto Seu Filho A amava e correspondia ao Seu amor de Mãe!

E como a não amaria Jesus, se nela via a obra-prima do Seu amor aos homens; o melhor fruto do Seu amor ao Pai, no mandato que Lhe dava de restaurar tudo em Si, para remir o mundo?

Jesus era o fruto do Coração de Maria e o Coração de Maria era o melhor fruto do Seu sangue Redentor. Na santidade de Sua Mãe, isenta de toda a mancha desde a conceição, realizou Jesus Cristo o mais plenamente possível a Sua obra redentora; é Ela as primícias do Salvador: remiu-A antes que chegara a ser manchada. Por isso, como afirma S. Bernardino de Sena, Jesus contemplava Sua Mãe com mais amorosos olhos que a toda a Corte celeste: Christi filialis aspectus ad Matrem transcendentalissimus esse debet, ita ut totam curiam celestem simul sumptam non debet aspicere sub tali ordine amoris.[6]

Recorde-se finalmente que em Jesus tinha Maria Santissima o Seu Deus, o Seu Filho, o Seu Esposo. Novos e estreitíssimos laços que fundem mais se é possível, os Cora­ções de Jesus e Maria: novas chamas a atear ainda mais o incêndio do Seu amor maternal.

A ninguém, com efeito, cabem com mais direito o título e as prerrogativas de Esposa de Cristo do que a Maria Santíssima. Se como diz S. Bernardo, sponsae nomine censetur anima quae amat: por esposa se entende a alma que ama, ninguém mais esposa de Cristo do que Maria. As virgens consagradas na Igreja denominam-se esposas de Cristo, mas o protótipo é a Virgem Maria, em pós da qual seguem todas as outras: adducentur Regi virgines post eam.[7]

Na mística fala-se de matrimónio espiritual da alma com Cristo, concedido a um reduzido número de almas privilegiadas a quem Jesus, por graça extraordinária, une mais inefavelmente a Si: mas foi por esse privilégio concedido a Maria em grau inexcedível e inimitável que o Espírito Santo A preparou para Mãe do Verbo: Esposa para ser Mãe, e como ninguém é mais Mãe do que Maria, também ninguém é mais Esposa do que Ela.

Esposa única, sem igual. Só Ela se senta à dextra do Rei, em galas de Rainha do Céu e da Terra. Esposa como ninguém, pois só nela se operou a grande maravilha: a união da natureza humana ao Verbo Divino. «Maria é a gloriosíssima Esposa da União Hipostática — dizia Modesto de Jerusalém. [8] E por esta união com o Verbo Divino que Deus constituiu a Maria a nova Eva, a Mãe de uma geração imensa de filhos adoptivos de Deus.

Quem depois disto poderá compreender o que era o Coração de Maria para Jesus?! Quando de toda a eterni­dade o Verbo dizia: deliciae meae esse cum filiis hominum: as minhas delícias são estar com os filhos dos homens,[9] pensava neste jardim cerrado; pregustava as delícias deste paraíso fabricado só para Si; e como havia de ser o grande faminto de amor, já de longe como que vinha suspirando por este variado e saboroso manjar que a todo o momento encontraria no Coração de Maria, Sua Mãe e Sua Esposa!


[1] Apoc. XII, I.

[2] Obr. cit. I, L. II, pág. 147.

[3] Cit. ib. págs. 167-168.

[4] Obr. cit. L. III, c.V, pág. 288.

[5] Specul. B. M. V. L. X.

[6] Serm. 21, a. 2, c. 7.

[7] Ps. XL, 15.

[8] Encom. in Dorm. Ss. Virg. n. 3.

[9] Prov. VIII, 31.