O Coração da Mãe
de Jesus
Ama muito a
Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.
Jacinta
Nada há mais
primacial em Deus do que ser Pai: como Pai é o princípio sem princípio gerador
do Verbo Eterno, e com o Verbo
Eterno, o princípio produtor do Espírito Santo.
Nada há mais
primacial em Maria do que ser Mãe do Verbo; eis o Seu destino ab aeterno
e não teria
vindo
ao mundo, se não fora para ser Mãe do Verbo; e no Verbo e pelo Verbo, Mãe dos
homens. Esta a Sua prerrogativa por excelência. Tudo o mais são revérberos deste
sol que A reveste: mulier amicta sole.
Mostrou-se um
dia a S. João Evangelista, em visão um prodígio: uma mulher coroada de doze
estrelas, tendo aos pés por escabelo a lua. Mas a maior maravilha que o
deslumbrava era ver essa mulher vestida de sol:
mulier amicta sole.
Essa mulher é Maria Santíssima; o sol
que A reveste e toda a transforma numa maravilha de luz inefável é a maternidade
divina.
Por isso, é mal
fundada a queixa dos que acham pouco o que o Evangelho nos narra de Maria
Santíssima. No Velho e Novo Testamento fala Deus e as Suas palavras não são
como as nossas; o estilo de Deus é poderoso, profundo, substancial. Em pouco diz
tudo. Ao responder a Moisés quem era, atestou Deus isto só: Iahvé;
palavra simplicíssima que em português se traduz: Aquele que é. Está dito tudo;
daqui se derivam todos os atributos divinos.
De Maria diz só
isto: Mater Jesu, Maria de qua natus est Jesus: Mãe de Jesus, Maria de
quem nasceu Jesus. Está dito tudo; daqui se deduzem todas as excelsas
prerrogativas de Nossa Senhora; aqui se encerra em germe toda a Mariologia.
Portanto o
louvor mais excelente que se pode tecer ao Coração de Maria, é chamar-lhe
Coração da Mãe de Deus, Coração da Mãe de Jesus. Quem o considerasse
independentemente deste aspecto, desfigurava-o; daria dele necessariamente uma
ideia incompleta. «Não A podemos considerar como Virgem nem como Santa, sem
vermos mais ou menos explicitamente nela a Mãe e a Mãe de Jesus — adverte
Terrien — porque a Sua maternidade contém-na totalmente, ocupa em tudo o
primeiro lugar».
Sendo
verdadeiramente Mãe, estabelece-se entre Ela e Deus afinidade íntima, em virtude
da qual há unidade de natureza entre o Filho e a Mãe; embora a natureza do Filho
seja individual e numericamente distinta da natureza da Mãe, contudo é o seu
fruto natural, a sua imagem viva. E Jesus é fruto de Maria, mais do que nenhum
filho o é de sua mãe. Maria concebeu-o corporal e espiritualmente: após uma
preparação de virtudes sublimes que A tornam aos olhos de Deus tal qual Ele A
queria, para que fosse Sua Mãe, foi mister o consentimento de Maria formulado
expressamente, para que o Verbo de Deus se unisse à natureza e formasse da carne
de Maria um corpo à imagem do nosso.
Esta ligação
tão estreita e íntima, só superada pela união da natureza humana à divindade na
Pessoa do Verbo, tem por termo nada menos que o mesmo Verbo, o Rei da Glória, o
Criador e o Senhor do Universo. Que grandeza para Maria! Santo Alberto Magno
ante esta maravilha exclama: O Filho eleva ao infinito (infinita) a
excelência da Mãe, porque a infinita bondade do fruto, como que revela a
infinita bondade da árvore que o gerou».
Mas a medida dos
dons celestes revela a medida do amor: do amor que Maria tem a Deus, Seu Filho e
do amor que Deus tem a Sua Mãe. Logo é no Coração maternal da Virgem Mãe que
encontramos o melhor ponto de vista para conhecer a esta querida Mãe de amor e
Mãe do Amor.
Oh, se nos fora
dado em primeiro lugar, compreender o que foi o amor de Maria a Seu Filho! Se de
toda a verdadeira mãe se pode dizer, que tem de fazer maior esforço para não
amar, do que para amar o seu filho; que espontâneo, que total, que perfeito
seria o amor de Maria ao Seu Filho!? Este Filho era Seu e só Seu!
Todo o amor que
qualquer criancinha bem nascida encontra no coração de seu pai e de sua mãe,
encontrava-o Jesus todo e em grau incomparável no Coração de Maria. Nemo tam
pater nisi Deus: ninguém é tão Pai como Deus, disse algures Tertuliano;
ninguém é tão Mãe como Maria, podemos nós acrescentar. Este amor maternal não
tem que partilhar-se por outros frutos de Suas entranhas: Jesus é unigénito de
Maria.
Depois sendo amor
virginal, possui especiais encantos, mais finos ardores este amor da Virgem-Mãe.
Como tal é criação única do Espírito Santo; amar a um filho com amor materno e
ao mesmo tempo virginal, só Maria-Virgem, só a Virgem-Mãe. Amor que sobe ao auge
se considerarmos, que Maria em Jesus via o Seu Filho, mas muito mais ainda, via
o seu Deus e ninguém cumpriu melhor o preceito de amar a Deus sobre todas as
coisas do que Nossa Senhora: «amarás ao Senhor Teu Deus com todo o teu coração,
com toda a tua alma e com todas as tuas forças». Era assim que Maria amava a
Jesus.
Amando desta
maneira, como considera Terrien, modelava o Seu amor a Jesus pelo amor do Eterno
Pai e assim este amor de Maria é como que um prolongamento do amor do Pai a Seu
Filho. Quando um decreto admirável, Deus quis associar a Virgem Maria à Sua
geração e colocar em Seu seio Aquele que eternamente mora no seio do Pai, era
absolutamente necessário que fizesse brotar de Seu Coração paterno para o
Coração de Maria algumas centelhas do amor infinito em que Ele se abrasa para
com Seu Filho único. Assim o amor de Maria a Jesus, vem-Lhe da mesma fonte donde
Lhe vem a fecundidade.
Este amor do
Coração maternal de Maria Santíssima alimentava-se poderosamente e crescia de
instante a instante ao contacto íntimo com a Fornalha ardente de toda a
caridade, o Coração de Seu Filho e Seu Deus. No Coração de Sua Mãe realizou
Jesus melhor e mais intensamente que em ninguém a ânsia com que veio do Céu
pegar o fogo à Terra. Maria melhor que ninguém se deixou abrasar nesse fogo e
mais do que qualquer alma privilegiada conheceu profundamente Aquele Coração que
tanto tem amado os homens e que não recebe da maior parte deles senão injúrias e
ingratidões.
Quid mirum
— comenta S. Boaventura — si prae omnibus
diligat quae prae omnibus est dilecta? Que admira que ame mais que os
outros, se mais que todas é amada?
Sim: crescia ainda
mais e mais por este motivo, o ardor de Seu amor a Jesus, ao sentir como
ninguém, quanto Seu Filho A amava e correspondia ao Seu amor de Mãe!
E como a não amaria
Jesus, se nela via a obra-prima do Seu amor aos homens; o melhor fruto do Seu
amor ao Pai, no mandato que Lhe dava de restaurar tudo em Si, para remir o
mundo?
Jesus era o
fruto do Coração de Maria e o Coração de Maria era o melhor fruto do Seu sangue
Redentor. Na santidade de Sua Mãe, isenta de toda a mancha desde a conceição,
realizou Jesus Cristo o mais plenamente possível a Sua obra redentora; é Ela as
primícias do Salvador: remiu-A antes que chegara a ser manchada. Por isso, como
afirma S. Bernardino de Sena, Jesus contemplava Sua Mãe com mais amorosos olhos
que a toda a Corte celeste: Christi
filialis aspectus ad Matrem transcendentalissimus esse debet, ita ut totam
curiam celestem simul sumptam non debet aspicere sub tali ordine amoris.
Recorde-se
finalmente que em Jesus tinha Maria Santissima o Seu Deus, o Seu Filho, o Seu
Esposo. Novos e estreitíssimos laços que fundem mais se é possível, os Corações
de Jesus e Maria: novas chamas a atear ainda mais o incêndio do Seu amor
maternal.
A ninguém,
com efeito, cabem com mais direito o título e as prerrogativas de Esposa de
Cristo do que a Maria Santíssima. Se como diz S. Bernardo, sponsae nomine
censetur anima quae amat: por esposa se entende a alma que ama, ninguém mais
esposa de Cristo do que Maria. As virgens consagradas na Igreja denominam-se
esposas de Cristo, mas o protótipo é a Virgem Maria, em pós da qual seguem
todas as outras: adducentur Regi
virgines post eam.
Na mística fala-se
de matrimónio espiritual da alma com Cristo, concedido a um reduzido número de
almas privilegiadas a quem Jesus, por graça extraordinária, une mais
inefavelmente a Si: mas foi por esse privilégio concedido a Maria em grau
inexcedível e inimitável que o Espírito Santo A preparou para Mãe do Verbo:
Esposa para ser Mãe, e como ninguém é mais Mãe do que Maria, também ninguém é
mais Esposa do que Ela.
Esposa única,
sem igual. Só Ela se senta à dextra do Rei, em galas de Rainha do Céu e
da Terra. Esposa como ninguém, pois só nela se operou a grande maravilha: a
união da natureza humana ao Verbo Divino. «Maria é a gloriosíssima Esposa da
União Hipostática — dizia Modesto de Jerusalém.
E por
esta união com o Verbo Divino que Deus constituiu a Maria a nova Eva, a Mãe de
uma geração imensa de filhos adoptivos de Deus.
Quem depois
disto poderá compreender o que era o Coração de Maria para Jesus?! Quando de
toda a eternidade o Verbo dizia: deliciae meae esse cum filiis hominum:
as minhas delícias são estar com os filhos dos homens,
pensava neste jardim cerrado;
pregustava as delícias deste paraíso fabricado só para Si; e como havia de ser o
grande faminto de amor, já de longe como que vinha suspirando por este variado e
saboroso manjar que a todo o momento encontraria no Coração de Maria, Sua Mãe e
Sua Esposa!
Obr. cit. L. III, c.V, pág. 288.
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