O Coração da
Predilecta do Altíssimo
«Gosto tanto de Nosso Senhor e de
Nossa Senhora,
que nunca me canso de dizer que os amo».
Jacinta
Esforçámo-nos por
explicar, o mais claramente possível, o significado desta expressão: Coração
de Maria.
Objecto
singular da piedade cristã, esplende com tais fulgores, que a nossa
inteligência, logo ao primeiro contacto, entrevê, sem mais raciocínio, ser
ele
depois do de Jesus, de qualquer modo que o consideremos, o que há de mais
excelente entre as obras do Senhor.
Quem
presumirá portanto — diremos com S. Bernardino — «a não ser apoiado pelo divino
Oráculo, quem presumirá com lábios manchados, dizer qualquer coisa, por pequena
ou grande que seja, da verdadeira Mãe de Homem-Deus, a quem o Pai predestinou
antes de todos os séculos para ser perpetuamente a Virgem digníssima, o Filho
elegeu por Mãe e o Espírito Santo preparou para domicílio de toda a graça? Com
que palavras eu, homenzinho, lembrarei os altíssimos sentimentos do Seu Coração
virginal, expressos por seus lábios santíssimos, para o que não bastam as
línguas de todos os homens nem as de todos os Anjos?
Predestinou-A
o Altíssimo desde toda a eternidade para Mãe de Deus e consequentemente, para
todas as prerrogativas que predispositivamente ou consequentemente derivam dessa
dignidade suprema. A dignidade da Mãe de Deus porém, raia no infinito; tais
proporções atinge, que nem Deus na Sua Omnipotência pode criar dignidade mais
augusta. «Maria por ser Mãe de Deus tem uma certa dignidade infinita, do Bem
infinito que é Deus e por este lado nada se pode criar de melhor», ensina S.
Tomás de Aquino e de modo parecido se exprime
S. Boaventura
«ser Mãe de Deus e graça máxima que conferir-Se pode a uma criatura. Maior do
que esta não pode Deus fazer».
«A
maternidade divina é a pérola mais deslumbrante do diadema de glória que cinge a
fronte da excelsa Virgem e pelo simples facto de ser Mãe de Deus, acha-se
colocada a uma altura vertiginosa de dignidade, a uma elevação de todo
incomparável».
Quem então
compreenderá, em si ou nas suas prerrogativas, a excelência de Maria
Santíssima? Quem sobretudo penetrará os segredos íntimos de Seu Coração?
Em virtude da
Maternidade divina estabelecem-se entre a Virgem Maria e a Santíssima Trindade
relações inefáveis que não existem nem podem existir entre as demais criaturas,
sejam elas os mais elevados coros angélicos.
«O Eterno Pai
determinou, por um conselho admirável, que a Virgem conceba e dê à luz no
tempo, Aquele que Ele gera perpetuamente desde toda a eternidade. Deste modo
associa-A à sua geração fazendo-A Mãe de um mesmo Filho com Ele».
Que
maravilha! E mister essencialmente a união de Maria com o Eterno Pai, para que
nasça não simplesmente um Deus, nem simplesmente um homem, mas para que nasça
Jesus Cristo, Homem-Deus, ao mesmo tempo Filho do homem e Filho de Deus.
Toda a paternidade vem de Deus que é a
fonte de toda a fecundação e Maria participa e coopera intimamente nesta
fecundidade de Deus, como ninguém, para ser Mãe de Jesus.
Por isso,
alguns Autores chamam Maria Esposa do Pai. «O Filho de Deus encarnou, com
efeito, no seio da Virgem. Nesta geração temporal não tem Pai, como na geração
eterna não tem Mãe. Mas não é no mesmo sentido: é em sentido absoluto que Ele
não tem mãe na geração eterna; porém é num sentido relativo que não tem Pai na
geração temporal: no sentido de uma geração temporal que destruísse a
virgindade. Quanto ao mais, nesta geração temporal, continua a ter por Pai
Aquele que O gera eternamente, com uma paternidade continua, cuja geração
temporal no seio de Maria não é por consequência mais do que uma extensão, por
assim dizer e uma produção. Maria, numa palavra, não é a Mãe do Filho de Deus,
do mesmo modo que Deus é Pai, por virtude própria, mas como Lhe anuncia o
Anjo, por virtude do Altíssimo que A cobriu com Sua sombra.
Terrien adverte
contudo, que nesta designação de Esposa do Pai, se há-de cuidadosamente
evitar qualquer equívoco, pois não é pela substância que Jesus recebe do Pai,
que Ele é homem, nem é pela substância que recebe da Mãe que é Deus.
Mas muito de
aprovar é a denominação dada a Maria de Filha de Deus, de Filha do
Pai, de Primogénita, de Pilha única. São expressões frequentes
dos Santos Padres; entre os gregos é usualíssimo chamar-Lhe
Filha de Deus.
A Santa Igreja não
só a denomina Filha de Deus, mas única Filha de Deus, única Virgem, única
Imaculada. O que nos faz filhos de Deus é a graça santificante; e se ninguém
foi por antonomásia cheia de graça, senão Maria, ninguém por antonomásia
é Filha de Deus senão Maria. E como a plenitude da graça Lhe foi concedida em
proporção à dignidade infinita de Mãe de Deus, quem presumirá compreender, o
que foi essa graça e consequentemente, o que são esses laços que A ligam a Deus
como Filha?
Por isso, se
designa também Primogénita, por ser a primeira, por assim dizer que se
apresenta à mente divina, quando em seus eternos conselhos decide criar filhos
de adopção, modelados pelo Verbo Encarnado. Entre todos os filhos de Deus
adoptivos, é Maria como que a mais velha e a Ela, como a primogénita, concede o
Eterno Pai prerrogativas e privilégios dignos de tal primogenitura
.
«Depois disto —
exclama belamente Bossuet — ó Maria, ainda que eu tivesse o espírito de um Anjo
da mais sublime jerarquia, os meus conceitos seriam muito pobres para
compreender a união perfeitíssima do Pai Eterno convosco. Associando-Vos à Sua
geração eterna, fez-Vos Mãe de um mesmo Filho com Ele. Quis que Vós fôsseis a
Mãe de Seu Filho único e ser Ele o Pai do Vosso Filho.
Ó prodígio, ó
abismo de caridade! Que inteligência se não perderá na consideração destas
complacência incompreensíveis que teve por Vós, depois que Vós d’Ele Vos
aproximais tão de perto por este Filho comum, laço inviolável da Vossa santa
aliança, penhor das afeições mútuas que Vos tributastes uni ao Outro; Ele na
plenitude de uma Divindade impassível; Vós revestida, para Lhe obedecer, de uma
carne mortal!»
* * *
Quem poderá então
imaginar o que seriam os quilates delicadíssimos dados por Deus ao Coração de
Maria?
Ao Coração desta
Sua Filha única; desta Sua Predilecta, da Primogénita?
Antes de mais
nada, foi o Coração de pura criatura criado por Deus, para por ele ser amado
plenamente, a Seu gosto Divino: o melhor instrumento de amor à Santíssima
Trindade. Nunca outro coração puramente humano vibrará jamais de tanto e tão
perfeito amor a Deus, como o de Maria Santíssima. Ao amor do Coração de Maria
para com Deus atribui Ricardo de S. Victor ter o Verbo tomado carne em Suas
entranhas: quia in Corde ejus amor
Spiritus Sancti singulariter ardebat, ideo in carne ejus mirabiliter faciebat
in tantum quod in ea nasceretur Deus et homo.
«Façamos o
homem à nossa imagem e semelhança», disse Deus ao criar Adão e Eva.
Se algum coração na Terra ou no Céu
saiu a imagem e semelhança de Deus, foi o de Maria Virgem. O Coração do Eterno
Pai é o amor com que ama a Seu Filho e em Seu Filho nos ama a nós; é à imagem
desse Coração-amor que o Divino Espírito Santo formou o de Maria, para que o
Verbo Eterno ao encarnar, sentisse logo na Terra, através das palpitações do
Coração de Sua Mãe, um amor parecido ao de Seu Pai no Céu e não estranhasse
assim tanto os gelos do mundo.
«Eu quero
— assim considera Sauvé o decreto do Eterno Pai — que sobre todos os homens
e sobre todos os Anjos, meu Filho encarnado, encontre numa Mãe que Lhe vou
criar, não só morada santíssima, mas a fonte da sua vida humana. O meu amor
quere-A tão amante e tão boa, que Sua amizade seja digna do meu Verbo feito
homem, para que uni dia, quando ao reclinar-se Ela sobre o presépio, ou sobre o
Divino Infante em Nazaré, ou sobre o Corpo exangue do Salvador do mundo, ou
ainda sobre a Eucaristia recebida em Seu Coração, seja uma imagem viva das
minhas complacências infinitas para com meu Filho querido. Quero, que Ela
recompense todo o amor dos Anjos e dos homens, se esse, por impossível, Lhe
viesse a faltar; que compense por todos os esquecimentos, todas as indiferenças,
todas as ofensas das outras criaturas».
Em
consequência, a Santíssima Trindade destina este Coração da Mãe divina para ser
o grande auxiliar do Redentor na obra da salvação do mundo e por isso, ornou-o
de todas as perfeições requeridas para tão excelente missão. Ninguém será mais
esclarecido, mais iluminado e participará mais da Verdade Divina e viverá dela
com mais sinceridade, candura e simplicidade. A Beleza de Deus fala-á o enlevo
do Céu e da Terra e a Sua beldade tornará sempre mais puro a quem se deixar
arrebatar pelos Seus encantos. Será tão bom o seu Coração e tão amante, que a
Bondade infinita comprazer-se-á nele melhor e morará nele mais a Seu gosto, que
em todos os Anjos e Santos. Será tão generosa que quando a Santidade de Deus
ofendida exigir uma vítima, prestar-se-á, a uma com Seu Filho adorado, para se
imolar e amar.
O Coração Imaculado
de Maria por sua vez, em qualquer circunstância que o surpreendêssemos, se isso
nos fora dado, só veríamos nele uma preocupação: corresponder com toda a
fidelidade e delicadeza de amor, ao amor e às graças que tinha recebido do
Senhor, do Pai, de quem desce todo o dom e de quem descia essa caridade que A
trazia numa contínua atenção às inspirações e moções do mesmo Divino Amor, para
as seguir em tudo; para não buscar outra coisa senão Deus e buscá-Lo em tudo e a
querer com toda a perfeição tudo o que Ele queria e exigia dela, executando
sempre com toda a perfeição tudo o que Lhe dava glória.
«A Santidade,
portanto, foi para Maria Santíssima uma questão de Coração», como resume Bainvel.
«Que amizade esta a de Maria para com o Eterno Pai! — exclama Sauvé — Só
Deus lhe contiecerá os segredos, as efusões, a generosidade, a união! O Pai,
deixai-nos participar nas Vossas ternuras, nas Vossas complacências eternas,
únicas para com Maria, Vossa Filha! O Maria, Filha de Deus, dai-nos um pouco do
Vosso amor, da Vossa confiança, da Vossa generosidade para com o Pai! Vossa
proximidade com o Pai é inefável: proximidade de parentesco sublime, proximidade
de amor da mais incompreensível amizade! Já que tão perto estais d’Ele, já que
Ele nada Vos recusa, pedi-Lhe para nós luz, vida, intimidade divina, sobretudo
as virtudes que nos tornem capazes de todas as generosidades filiais para com
Ele!»
A. Nicolas, La Vierge Marie dans le Plan Divin, vol. I, pág. 313,
ed. 1869.
Em S. Thomas opusc. De
expositione Salut. Angel.; cfr.
Aguilar, ob. cit. pág.
67.
Sauvé, obr. cit., págs.
27-28.
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