O Coração Imaculado
de Maria
á luz de Fátima
Culto
público do Coração Imaculado de Maria
«Deus quer estabelecer no
mundo a
Devoção ao Imaculado Coração de Maria»
(Jacinta).
Até ao
século XVII todos os tributos de piedade e doutrina católica, argumentos
muito embora explícitos acerca do Coração
de Maria, deixam ainda esse
tesoiro apenas restrito ao culto privado.
Os
primeiros vestígios do culto público no sentido vulgar da palavra
encontramo-los em Nápoles com a instituição da Confraria do Coração
de Maria, na igreja de Santa Maria do Pórtico, no borgo di Chiaga,
pelo P. Vicente Guinigi, fundador da Congregação dos Clérigos regulares
da Madre de Deus, o qual compôs para os confrades os «Exercícios
piedosos do Coração de Maria». A Confraria foi canonicamente erecta em
1640
.
Cabe
porém incontestavelmente a S. João Eudes a glória de principal Arauto, Apóstolo
e Teólogo deste culto público. Precisamente nesta época se lança ele
fervorosamente à empresa de dar a conhecer ao mundo esse tesoiro
escondido; sentia-se chamado expressamente por Deus a tão salutar
missão. Não se poupou por isso, a esforços e indústrias e dedicou a
propaganda do culto dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria o melhor
do seu talento e da sua alma ardente. Deixou entre outros escritos a
obra clássica a que já nos referimos «O Coração Admirável da Santíssima
Mãe de Deus», onde estuda os fundamentos desta devoção. Compôs
hinos e vários ofícios do Coração Imaculado de Maria. Já em 1643
conseguiu para os dois Institutos religiosos de que é fundador, Ordem de
Nossa Senhora da Piedade, para o sexo feminino, e Congregação de Jesus e
Maria, para Sacerdotes, licença de celebrar a 20 de Outubro a primeira
festa em honra do puríssimo Coração de Maria, dia que até 1646 ficou
marcado para a dita solenidade
.
A 8 de
Fevereiro de 1648, no fim duma missão pregada pelo Santo, em Autum,
realizava-se já solene e publicamente essa festa: o ofício aprovado por
56 Arcebispos e Bispos e pelo Cardeal Vendôme então Legado a latere de
Sua Santidade em França, compusera-o S. João Eudes, assim como a Missa.
Solicita-se
de Roma aprovação mais ampla e apesar da resposta negativa, non
expedire, sucedem-se umas após outras as aprovações particulares dos
Bispos.
Os
resultados do zelo desse Apóstolo e devoto de Maria foram estes: no
momento em que deixava esta vida mortal, em 1680, a devoção ao Coração
de Maria vicejava pujante em umas vinte dioceses de França;
multiplicavam-se as imagens e os altares em Sua honra; pululavam as
confrarias enriquecidas com indulgências pelos Sumos Pontífices;
cunhavam-se medalhas; publicavam-se livros e exercícios devotos. E aí
ficavam as duas Famílias religiosas fundadas pelo Santo a garantir ao
Coração da Virgem Mãe vivo amor e perpétua homenagem.
Na Itália
uma obra muito celebrada do P. João Pinamonti, S.J., «Il Sacro Cuore
di Maria Vergine», preparou o ambiente para o resultado das
diligências feitas por S. João Eudes junto da Sagrada Congregação dos
Ritos em prol do culto público ao Coração de Maria.
Mais
tarde os Frades Menores de França e o P. Gallifet, S.J. trabalharam por
instituir oficialmente a festa do Coração Imaculado de Maria,
apresentando este em 1726 a Bento XIII um precioso memorial.
A primeira aprovação formal deu-a Pio VI, prisioneiro de Napoleão em
Florença, em rescrito de 22 de Março de 1799, permitindo ao Clero de
Palermo celebrar a festa do Coração de Maria.
Pio
VII, em 1805, estendeu aos Clérigos Regulares da Madre de Deus o mesmo
favor. Estando na Europa, conseguiu Fr. Velozo, franciscano, em 1807, um
Breve em que eram autorizados os seus Irmãos da Província da Imaculada
Conceição do Rio de Janeiro a celebrar também a festa do Coração de
Maria
.
O ofício e
Missa já muito espalhados, apesar da falta de aprovação suficiente,
foram finalmente aprovados com ligeiras modificações pela Sagrada
Congregação dos Ritos.
* * *
Além do que
acabamos de indicar, poderosos factores concorreram para que até nossos
dias se tenha tornado cada vez mais conhecido e popular o culto público
do Coração da Mãe de Deus.
Em primeiro
lugar, as revelações de Paray-le-Monial sobre o Coração de Jesus
favoreceram muito a devoção ao Coração de Maria; os arautos do Coração
do Filho, fizeram-se também arautos do Coração da Mãe.
Vários Institutos surgiram expressamente dedicados a esta tarefa sublime
de tornar conhecido e amado este dulcíssimo Coração: as Filhas do
Coração de Maria, instituto fundado pelo P. Dicot de Clorivière
(1735-1820), a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria
instituída pelo P. Coudrin, também chamada de Picpus, cuja missão é
propagar a devoção a estes dois Corações e reparar as injúrias contra
eles cometidas; a Sociedade de Maria ou Maristas que professou sempre
uma especial devoção ao Coração de Maria; a Congregação do Espírito
Santo herdou do venerável P. Libermann a terna devoção e amor ao mesmo
puríssimo Coração
;
as Religiosas do Sagrado Coração de Maria, cuja divisa dada pelo
Fundador, P. João Gailhac, é: tudo para Jesus por Maria e tem
por objectivo especial do seu culto o Sagrado Coração de Maria.
Em
Espanha o B. P. António Maria Claret fundava a Congregação de
Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria, o qual desejava os
membros do seu Instituto tão abrasados nas chamas que ardiam no Coração
de Maria que dizia: «Um Filho do Coração de Maria é um homem que arde em
caridade e que abrasa tudo por onde passa
.
Foi divulgador entusiasta da Arquiconfraria do Coração de Maria. Os seus
Filhos, cheios de amor e zelo ardente herdado do seu santo Fundador
mostram-se por toda a parte ferventíssimos apóstolos do Coração de Maria
erguendo-Lhe templos, confrarias; pregando, escrevendo, organizando por
meio de editoriais e União Orgânica das Associações Cordimarianas, a
propaganda do culto ao Imaculado Coração de Maria em todo o mundo.
Aos Padres
Redentoristas e a todos os devotos de Maria deixou Santo Afonso Maria de
Ligório um poema magnífico do Coração Imaculado, no seu precioso livro
Glórias de Maria. Não é fácil dizer melhor nem tão bem das
misericórdias, doçuras e bondades deste Coração Materno.
Em
suma e para não nos alongarmos em mais citações, o século XIX viu surgir
mais de quinze Institutos religiosos com a denominação de Coração de
Maria e com o fim mais ou menos explícito de propagar o seu culto
.
Não é aqui
o lugar de historiarmos tudo o que as antigas Ordens fizeram pela
extensão deste culto. Pelo que toca à Companhia de Jesus a que
indignamente pertencemos, conta ela nas fileiras de seus escritores,
pregadores e missionários, falanges de propagandistas desta devoção e
toda a Ordem se entregou solene e oficialmente ao Coração d’Aquela a
quem venera como Rainha e Mãe.
* * *
Três factos
extraordinários vieram acender ainda mais nos fiéis o amor ao Imaculado
Coração
da Virgem Maria; o primeiro deu-se em 1830, a 27 de Novembro: é a bem
conhecida revelação da Medalha Milagrosa a Santa Catarina Labouré.
Orava a Santa com as outras noviças na capela das Irmãs da Caridade, em
Paris, às cinco e meia da tarde. De repente vê diante de si Nossa
Senhora de estatura mediana, de pé sobre um globo branco. Veste de seda
branca e da cabeça desce-lhe até baixo um véu. É um deslumbramento de
beleza a linda Senhora; com o pé virginal esmaga a serpente. Nas mãos à
altura do Coração, sustenta um pequeno globo representando a Terra que
oferece a Deus, tendo no céu fixos os olhos em súplica. Logo começam a
brilhar de tamanhos distintos e brilho diferente, nos dedos imaculados,
anéis cravejados de pedras preciosas. E a primeira fase da visão.
Desaparecendo suavemente o globo que tinha nas mãos, a Senhora põe os
olhos na vidente, abre os braços para o outro globo que lhe serve de
escabelo e no qual se via a palavra França. Catarina percebe que
este globo representa a Terra inteira, a França e cada indivíduo em
particular. Os raios de luz a desprenderem-se intensos das mãos de Maria
são as graças derramadas sobre as pessoas que sabem orar.
Pouco a
pouco desenha-se ao redor da Virgem um oval com esta legenda: «Ó Maria
concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós».
Maria
Santíssima ordena então a Catarina Labouré que mande cunhar uma medalha
segundo aquele modelo e imediatamente lhe mostra o reverso da medalha,
pondo-lhe diante dos olhos extasiados o monograma de Maria, um M
encimado por uma cruz, com dois travessões sob o M e sob a cruz. Debaixo
do M os Sagrados Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado
de espinhos, o segundo trespassado por uma lança; ao redor doze
estrelas.
Indagando a
Santa vidente, em obediência a ordem recebida, se conviria pôr alguma
coisa mais neste reverso da medalha, responde-lhe uma voz interior: «o M
e os dois Corações são eloquentes de sobra».
A medalha
espalhou-se rapidamente por todo o mundo católico; as graças e milagres
por ela obtidos já não cabem em anais e em nossos dias, após a
canonização de Catarina Labouré, recrudesceram de um modo assombroso
essas graças e esses milagres. Mas a medalha levou ao mesmo tempo a toda
a parte a imagem não só do Coração de Jesus, mas também desse outro
Coração que indissoluvelmente lhe está unido: o Coração da Imaculada.
O segundo
facto que concorreu ainda mais explicitamente, se é possível, para
espalhar o culto público ao Imaculado Coração de Maria foi a Instituição
da Arquiconfraria do Coração imaculado de Maria, na igreja de
Nossa Senhora das Vitórias em Paris, no ano de 1836. Angustiava-se o bom
Pároco, P. Des Genettes, com o estado deplorável da sua freguesia.
Dezoito mil habitantes e a igreja sempre deserta.
— «Consagra
a tua igreja e paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria» —
escuta ele distintamente, quando numa sexta-feira de Dezembro, mais
angustiado celebrava a Santa Missa.
Temendo
ilusão, esforçou-se por não fazer caso, quando no fim da Missa, durante
a acção de graças, ouve outra vez mais distinta e fortemente ainda:
«Consagra a tua igreja e paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de
Maria».
Já não pode
duvidar. Penetrado de reconhecimento e emoção, conserva-se por longo
tempo a orar e resolve redigir quanto antes os estatutos de uma
Confraria em honra do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria. Leva-os
ao Prelado, que não só os aprova, mas ordena até que se estabeleça já no
domingo seguinte a delineada Confraria.
Na manhã do
domingo, à Missa paroquial, assistida apenas pelas costumadas trinta ou
quarenta piedosas mulheres, anuncia o bom Pároco, sem grande confiança
no êxito, que à tarde começariam as reuniões da Confraria do Santíssimo
e Imaculado Coração de Maria. Contra toda a expectativa, ao entrar à
hora marcada na sua igreja, encontra-a literalmente cheia e mais de uma
terça parte eram homens. Lêem-se e explicam-se os estatutos; cantam-se
no fim as Ladainhas de Nossa Senhora e ao chegar ao versículo:
Refugium peccatorum, ora pro nobis», apodera-se de todo o auditório
uma emoção extraordinária; prostram-se todos instintivamente de joelhos
e repetem três vezes fervorosamente: «Refúgio dos pecadores, rogai por
nós».
O
Pároco chorava como uma criança; a Confraria estava fundada e começam
para logo as prodigiosas conversões. Depressa se foi espalhando por todo
o mundo a salvífica Confraria. «Em pouco tempo — escreve o Ven. P.
Roothaan, geral dos Jesuítas — tão grandes e admiráveis frutos produziu
por todo o orbe que nada de semelhante se encontra nos anais da Igreja
em todos os séculos anteriores»
.
Em
Portugal já anteriormente, em 1823, se erigira uma Confraria do
Santíssimo Coração de Maria, no Mosteiro da Encarnação das
Comendadeiras de Avis e pelo mesmo tempo, outra na Ilha da Madeira; mas
como a fundada em Paris foi elevada a Arquiconfraria, a ela se agregaram
com as outras oito mil que em 1846 existiam em todo o mundo, a proclamar
a glória e a desfrutar dos benefícios do Coração Santíssimo e Imaculado
de Maria
.
Em nossos
dias, o facto que veio dar mais decisivo e acelerado impulso ao triunfo
do Coração de Maria são as aparições de Fátima, que exigem, pela
importância, capitulo à parte.
Já em 1731 apareceu em nossa língua a tradução do Devocionário
composto em honra do Imaculado Coração de Maria, pelo P.
Gallifet.
Não devem passar-se em claro outros factos que vieram a
contribuir poderosamente para a extensão deste culto. Em 1840 o
Escapulário Verde com a imagem do Coração de Maria
trespassado por urna espada e rodeado da inscrição: «Coração
Imaculado de Maria, rogai por nós pecadores agora e na hora da
nossa morte», revelado a Sor Bisqueyburu, no noviciado das
Irmãs da caridade. São numerosos os prodígios alcançados por
este impropriamente chamado escapulário, ou imagem do Imaculado
Coração.
No
ano de 1876, em Pellevoisin, Maria veio afirmar, depois de um
milagre retumbante, o Seu poder sobre o Coração de Seu Filho e a
sua bondade ao mesmo tempo: «Eu sou toda misericórdia e Senhora
de meu Filho… O Seu Coração tem tanto amor ao meu que não pode
recusar nenhum dos meus pedidos... Por mim tocará os corações
mais endurecidos». Cfr. Mensageiro de Maria, 1938, pág.
36.
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