PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

O Padre Agostinho Veloso
e a Alexandrina
I

Os sacerdotes e a Alexandrina

« Tinha muito respeito pelos sacerdotes »[1].

Os sacerdotes que de perto ou de longe lidaram com a Alexandrina foram numerosos: Jesuítas, Espiritanos, Salesianos, Beneditinos, Dominicanos, Franciscanos e outros mais ainda, sem contar os párocos de diversas paróquias que bastas vezes a visitavam; uns por curiosidade e outros em busca de conselhos práticos ou espirituais.

É que a Alexandrina foi também vítima pelos sacerdotes, os outros “Cristos” na terra...

O seu primeiro Director espiritual ― o Padre Mariano Pinho ― era jesuíta e o seu segundo ― o Padre Humberto Maria Pas-quale ― salesiano italiano de S. João Bosco...

Alguns destes sacerdotes que visitaram a “Doentinha de Balasar”, marcaram a vida dela de maneira indelével: o Padre Mariano Pinho, já citado, porque foi o seu primeiro Director espiritual; o Padre Humberto Pasquale que foi o seu segundo; o Padre Terças, porque publicou uma relação sobre ela que teve grandes reper-cussões e causou a partida do seu primeiro Director; o sacerdote Jesuíta António Durão Alves, que a visitou por mando do Arce-bispo de Braga, e a quem a Alexandrina deixou “uma impressão favorável”; o Cónego Manuel Vilar, que a visitou por mando da Santa Sé; o Cónego António Gonçalves Molho de Faria, que tam-bém foi presidente da comissão que emitiu um parecer negativo (este sacerdote, que depois testemunhou durante o processo diocesano, não só reconheceu o seu erro, mas tornou-se um fervo-roso defensor da Alexandrina);  e para terminar Monsenhor Men-des do Carmo, que, por desígnios da divina Providência, assistiu à morte da Bem-aventurada de Balasar.

A lista seria longa e porventura maçadora, se aqui tivesse de no-mear todos aqueles sacerdotes que frequentaram a casa do Cal-vário, em Balasar, e não só portugueses, como espanhóis, fran-ceses e doutras nacionalidades.

Ainda que pareça surpreendente, vou-me interessar mais particularmente por um sacerdote jesuíta que nunca foi a Balasar, porque nunca quis lá ir, mas que teve, por causa das suas atitudes, palavras e escritos, uma grande influência, não só na vida da Alexandrina, mas também e, mais particularmente, naquela do venerando Padre Mariano Pinho, primeiro Director espiritual da Alexandrina, como já foi dito. Trata-se do Padre Agostinho Pinto Veloso.

Mas quem foi ele?

« Jornalista de garra e verbo camiliano »

Nasceu em Favaios, concelho de Alijó, em 20 de Novembro de 1894 e era filho de Bento Pinto Veloso e de Amélia Teixeira. Depois dos estudos primários, começou a sua vida social como « empregado do comércio, em Matosinhos », antes de “sentir” a vocação sacerdotal e de começar os estudos preparatórios no seminário do Porto no ano lectivo de 1914-1915.

Depois de ter cursado teologia “com muita distinção”, recebeu a ordenação sacerdotal a 30 de Julho de 1922.

«Logo a seguir foi-lhe confiada a direcção interina das Oficinas de S. José, as quais dotou com importantes melhoramentos. Permaneceu à frente delas durante mais de um ano, muito se empenhando na vinda dos actuais directores, os membros da Sociedade de Dom Bosco (salesianos)».

«Dedicando-se depois à vida paroquial, pastoreou com notável zelo as freguesias de Teixeira e Teixeiró (Baião), Santa Marinha do Zêzere (Baião) e Pedreira (Felgueiras), na diocese do Porto. Na de Teixeira, abandonada havia mais de vinte anos, restaurou a igreja paroquial e deu grande impulso a diversas instituições de natureza religiosa e social e em Pedreira conseguiu a ligação da igreja com a estrada mais próxima e promoveu a exploração de água para a povoação e a construção de um fontanário».

«Ao mesmo tempo que se dedicava à promoção religiosa, cultural e social dessas populações e se tornava pregador muito aceite, começou a entregar-se a actividade literária em traduções e adaptação de obras formativas, e mesmo ao jornalismo, mantendo uma polémica acerca de “Divórcio ou adultério” nas colunas de Fradique, de Maio a Julho de 1935», como nos conta o seu biógrafo.

A “Enciclopédia Verbo” diz que, «para maior realização pessoal e apostólica, o jovem Padre Agostinho, entrou na Companhia de Jesus a 7 de Dezembro de 1937», começando o seu noviciado, perto de Guimarães, em Santa Marinha da Costa.

Passados dois anos, a 8 de Dezembro de 1939, fez profissão simples perpétua.

Mas o Padre Agostinho tem sede de saber, deseja conhecer mais, aumentar os seus conhecimentos, o que é louvá-vel, e, por isso mesmo, durante «os três anos seguintes, 1939-1942, dedicou-os a ampliar os estudos superiores de Filosofia e Teologia no Instituto Beato Miguel de Carvalho, de Braga, actualmente Faculdade Pontifícia».

Talvez porque julgasse insuficientes os estudos até aí feitos em Portugal, o Padre Agostinho Veloso, «no Verão de 1942 dirigiu-se a Salamanca, onde permaneceu até Julho de 1943, ocupado no estudo dos problemas de Ascética e Mística, em especial no estudo do Instituto e do Direito da Companhia de Jesus e dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola».

Sublinhei aqui as palavras “Ascética e Mística”, porque mais tarde terei que falar destas matérias, quando tiver que explicar ― ou tentar explicar ― o “julgamento” que o Padre Veloso fez sobre a Alexandrina de Balasar.

É bom lembrar desde já, igualmente, que nos Exercícios de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, há um capítulo que trata do discernimento dos espíritos, capítulo muito importante que todos os peritos em Ascética e Mística conhecem.

Mas, voltemos à notícia biográfica do sábio Jesuíta.

«Depois de quase 6 anos de formação ascética e filosófica ― explica a Enciclopédia Verbo ―, voltou ao campo de apostolado, no Verão de 1943, como redactor da revista Brotéria, em Lisboa», «à qual deu apreciada cola-boração ― diz outra fonte ―, avultando vários ensaios de cunho filosófico, científico, filológico e apologético».

Desde logo a actividade literária do Padre Veloso vai tomar novos rumos, vai aumentar e dar a conhecer um « jornalista de garra e verbo camiliano », um escritor prolífico e admirado, assim como um poeta delicado e sensível.

Escreveu em jornais e revistas, usando por vezes os pseudónimos de C. de Turcifal, Carlos Alberto de Lemos, ou Padre Anselmo, e com eles assinou algumas obras.

Entre outras publicações periódicas colaborou nos diários Novidades, Diário da Manhã, e Diário Popular, e nas revistas Mensageiro do Coração de Jesus, Acção Médica e Lumen — Revista de Cultura para o Clero; no semanário Fradique sustentou vigorosa e longa polémica sobre o divórcio, como acima foi dito.

Na sua vasta obra cultural sobressaem os trabalhos seguintes: Uma vítima da seita negra (versão livre e adaptação), Força e fraqueza do Socialismo (trad.); Antes que cases (Considerações para os noivos); Esta palavra Lisboa (ensaio sobre o nome, da capital); A «loucura» dum santo; Quem são os Jesuítas?; A mensagem de Ozanam, A mensagem de Leonardo Coimbra; Antero e os seus fantasmas; Aspectos cruciais do problema de Fátima; Ainda algumas confusões e erros sobre Fátima; Deus, o Homem e o Universo (trad., na colecção «Filosofia e Religião»); Os problemas do pensamento à luz do pensamento de Deus; Naturalismo rotário e sobrenaturalismo cristão; Nas encruzilhadas do pensamento (Diálogos sobre filosofia moderna), 2 vols., 1 – Sob o signo de Descartes; II – Sob o signo de Husserl; O problema do mal; Réplica a uma diatribe (a propósito do caso de Goa); Mistificação em arte; A originalidade em arte; Responsabilidades do homem católico na hora presente ; Pasteur homem de fé ; A farsa surrealista; A desrealização surrealista. Das suas obras poéticas, onde a inspiração é fluente e espontânea, mencionar-se-ão: Portugal tão pequenino; Cinco cânticos a Santa Teresinha; Parábolas de sempre; Vitral antigo.

Mas o Padre Veloso tinha ainda outras actividades, estas mais ligadas ao seu ministério, como explica o cronista da Companhia de Jesus:

« Desde o princípio da sua carreira sacerdotal consagrou-se com igual êxito e aceitação ao ministério do púl-pito, percorrendo em frutuosas missões populares, tríduos, novenas e semanas de pregação, não só no con-tinente mas também as ilhas adjacentes, e dando exercícios espirituais ao clero e a diversas classes da sociedade e pronunciando numerosas e muito apreciarias palestras e conferências em diversos centros e institutos cien-tíficos e culturais ».

Mais adiante o mesmo autor diz ainda:

« Desde 1944 ocupou a cátedra de professor de questões filosóficas no Instituto de Serviço Social, em Lisboa; e desde 1955 fez parte do júri para a atribuição dos prémios literários do S. N. I. ».

Resumindo aqui quem foi o Padre Agostinho Veloso, termino, utilizando a afirmação da Enciclopédia Verbo: « Foi em grande parte um autodidacta que, até ao dia em que um atropelamento o vitimou ― em Lisboa, em 22 de Fevereiro de 1970 ―, sopesava criticamente tudo o que lia. Operário evangélico incansável, foi orador popular, conferencista culto, poeta de lira ingénua, polemista dialéctico, ensaísta não raro brilhante, e crítico de arte por vezes pouco sensível aos elementos estéticos: cegava-o o empenho da defesa da fé, da verdade, e da pátria, tornando-se por vezes rude e até bravio ele que chegava a enternecer-se até às lágrimas ».

Como Santa Teresa de Ávila, penso que também ele podia exclamar:

« Quando estava nos contentamentos do mundo, lembrando-me do que devia a Deus, era com pesar; quando es-tava com Deus, as afeições do mundo me desassossegavam »[2].

E ainda, da mesma Doutora da Igreja:

« Tudo aproveita pouco se, perdida totalmente a confiança em nós mesmos, não a pomos em Deus »[3].

Interrogações

« Andava pois já a minha alma cansada e, embora quisesse, não a deixavam descansar os ruins costumes que tinha »[4].

A notoriedade criada à volta do ser humano é como uma faca de duplo gume: pode servir de fulcro para duas ca-racterísticas humanas opostas: a vaidade ― que é mãe da soberba e da auto-satisfacção ― ou a humildade, que provém do verdadeiro amor.

Os sucessos obtidos pelo “autodidacta” Padre Veloso não teriam suscitado nele uma espécie de “auto-satisfacção”, de vaidade, de teimosia e de egocentrismo?

Não teria ele esquecido este sensato conselho de Santa Teresa de Ávila, que certamente ele leu quando estudou Ascética e Mística em Salamanca, e que diz respeito aos dons recebidos do Senhor?

« É mister haurir daqui forças de novo para servir e procurar não ser ingrato porque, com essa condição, as dá o Senhor. Se não usamos bem do tesouro e do alto estado em que nos põe, Ele no-lo tornará a tirar e ficaremos muito mais pobres; e Sua Majestade dará as jóias a quem com elas brilhe e aproveite a si e aos outros »[5].

Tendo um grande respeito pelos sacerdotes, custa-me pôr aqui estas questões, visto não querer de maneira ne-nhuma “julgar” o procedimento do valoroso sacerdote, cujos textos estudei ― poesia e alguma prosa ― nos meus longínquos tempos de seminarista. Mas a verdade histórica deve aqui ser salvaguardada e aplicada, tanto quanto possível, a regra fixada por Santo Inácio de Loyola, nos seus “Exercícios espirituais”, a saber que « se há-de pressupor que todo o bom cristão deve estar mais pronto a salvar a proposição do próximo que a condená-la; se a não pode salvar, inquira como a entende, e, se a entende mal, corrija-o com amor; e se não basta, busque todos os meios convenientes, para que, entendendo-a bem, se salve »[6].

Interrogado a seu respeito, o Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, que bem o conheceu, disse: “Eu acho-o dema-siado presunçoso”.

O mesmo venerando Cardeal diz ainda:

« No que diz respeito ao Padre Agostinho Veloso, com o qual mantive sempre boas relações, considero-o como uma pessoa dos extremos, desprovido de julgamento sereno e equilibrado sobre as pessoas e as coisas, e por conseguinte repentino nas suas conclusões ».

A questão posta acima, encontra nestas frases autorizadas do Cardeal Cerejeira a resposta adequada.

Mas porquê estas interrogações e afirmações sobre o Padre Agostinho Veloso, poderão perguntar os leitores, e com certa razão?

É que o Padre Veloso interveio na vida da Alexandrina de Balasar, sem tão pouco a conhecer, sem nunca a ter visitado, baseando-se apenas no que ouvia e, pior ainda talvez, porque não gostava do Padre Mariano Pinho, também ele jesuíta.

Seria porque este lhe fazia sombra, visto ser também um bom escritor, um exímio e famoso pregador e um grande director de almas?

Seria por rivalidades directivas na revista Brotéria que ambos ocuparam postos importantes ― de Director, o Padre Pinho; de redactor, quanto ao Padre Veloso?

Sabemos que o Padre Pinho não fazia parte dos amigos do Padre Veloso, e procurámos saber porque razão.

Na página 106 do seu Cristo Gesù in Alexandrina, o Padre Humberto está a recolher textos sobre a proibição de o Padre Pinho visitar a Alexandrina e de a esta terem sido pedidas as cartas que o seu director espiritual lhe enviara. Então numa nota dá este esclarecimento:

« O Padre Pinho, tempos atrás, tinha feito uma obser-vação a um confrade: Padre Veloso. Este conservou-lhe uma aversão surda. Um dia, na sua ausência foi-lhe ao quarto, abriu-lhe a correspondência e encontrou então uma carta que oferecia ocasião a interpretações senti-mentais; juntou-lhe insinuações pouco delicadas e enviou tudo aos superiores. A acusação teve triste seguimento, porque o Padre Pinho foi afastado com restrições no exercício do seu ministério ».

A carta viria duma tal Ema, uma pessoa desequilibrada.

No mesmo livro, na página 140, igualmente numa nota, cita-se uma carta do Dr. Azevedo, de 23 de agosto de 1943, onde este diz que o Padre A. Veloso fora « proibido de pregar nas dioceses de Lamego e do Porto ». Só uma muito grave razão justificaria tal medida tão pouco abonadora das qualidades do visado.

É certo e provado que o Padre Veloso, sendo inimigo do Padre Pinho, foi também inimigo da Alexandrina de Bala-sar, inimigo até à morte repentina que o vitimou em plena rua, em Lisboa.

Uma outra certeza tenho: esta “birra” era própria ao Padre Veloso, visto que o Padre Mariano Pinho era incapaz de odiar alguém, mesmo se viesse a saber que fora acusado de “tarado sexual”.

São João da Cruz, falando de certas almas ― talvez como a do Padre Veloso ― diz:

« Outras é uma lástima: trabalham e afadigam-se muito e voltam para trás, e põem o fruto do aproveitamento no qne não aproveita, mas estorva »[7].

A grande Teresa, Doutora da Igreja afirma também « que somos tão miseráveis e tão inclinados às coisas da terra, que mal poderá aborrecer, de facto, tudo o que é cá de baixo e com grande desapego, quem não entender que tem algum penhor lá de cima »[8].

Deixo por aqui as “questões” e vou ir mais adiante e expor o motivo destas páginas.

Motivo

« Pressuponho haver em mim três pensamentos, a saber: um que é propriamente meu, que sai da minha pura liberdade e querer; e outros dois que vêm de fora: um que vem do bom espírito e o outro do mau »[9].

Como dito acima, não pretendo aqui julgar o Padre Agostinho Veloso, mas simplesmente esclarecer, tanto quanto possível a razão daquela aversão que ele tanto manifestou contra a Alexandrina Maria da Costa, quer por escrito quer em palavras ou testemunhos.

Também, como já dito, sabendo que sentia uma aversão profunda contra o Padre Mariano Pinho, é obvio que sentisse o mesmo rancor às pessoas com quem este lidava ou dirigia.

Sabe-se que o Padre Veloso nunca visitou à Doentinha de Balasar nem estudou o caso desta, considerando-a uma “iluminada”, uma “exaltada”, uma simuladora, uma histérica e, por isso mesmo, mentirosa.

Como acima foi igualmente dito, o sábio Jesuíta, desejoso de adquirir novos conhecimentos e acaso maior notoriedade, « no Verão de 1942 dirigiu-se a Salamanca, onde permaneceu até Julho de 1943, ocupado no estudo dos problemas de Ascética e Mística ».

« Este Padre ― explica Santa Teresa de Ávila, falando dum dos seus directores espirituais ― como o Senhor lhe deu experiência em muitas coisas, tem procurado estudar tudo o que por estudo tem podido saber »[10].

De lá veio provavelmente com um diploma suplementar desta vasta e delicada disciplina, que necessita, devemos sabê-lo, para que seja bem assimilada e sobretudo estudada e aplicada, de muita humildade da parte daquele que a ensina ou procura aplicá-la quando a ocasião se apresenta, tal como defende o Santo fundador dos Jesuítas, no parágrafo cinco dos exercícios espirituais:

«Muito aproveita, ao que recebe os exercícios, entrar neles com grande ânimo e liberalidade para com o seu Criador e Senhor, oferecendo-lhe todo o seu querer e liberdade, para que sua divina majestade, assim de sua pessoa como de tudo o que tem, se sirva conforme a sua santíssima vontade»[11].

Diz o cronista que o Padre Veloso, depois da sua estadia em Espanha, « voltou ao campo de apostolado, no Verão de 1943, como redactor da revista Brotéria, em Lisboa ».

Quando aí chegou, já o Padre Mariano Pinho tinha sido impedido pelo Provincial dos Jesuítas de dirigir a Alexandrina. Esta ordem foi efectiva a partir de 7 de Janeiro de 1942 e o sacerdote foi então enviado para Vale de Cambra, onde foi professor. Para quem dera retiros aos Bispos portugueses, pregara nas principais igrejas do país, dirigira a Brotéria, fundara a Cruzada, etc., vê-se bem que colocá-lo ali numa aldeia provinciana era sério castigo.

Mas sabe-se igualmente que, entre 1939 e 1942, o Padre Agostinho Veloso, « dedicou-se a ampliar os estudos superiores de Filosofia e Teologia no Instituto Beato Miguel de Carvalho, de Braga », como sabemos também que o Padre Pinho, em meados de 1941 e princípios de 1942, aí se encontrava.

É igualmente sabido de todos que, no dia 29 de Agosto de 1941, o Padre José Alves Terças, da Congregação dos Missionários do Espírito Santo, assistiu à paixão da Alexandrina e que depois publicou um relato do que viu e ouviu no n.º 10 da revista « Vida de Cristo, a Paixão dolorosa », vol. V, Lisboa, 1941. Tem aqui origem a perseguição ao Padre Pinho, que em breve é afastado da direcção da Alexandrina ― 7 de Janeiro de 1942 ― e da direcção do Mensageiro de Maria, e que ele, daí em diante, passa a residir no Seminário de Vale de Cambra.

Depois destes incidentes quase rocambolescos, o ilustre Arcebispo de Braga, D. Bento Martins Júnior, nomeou uma comissão, composta de três teólogos, entre os quais o Cónego António Gonçalves Molho de Faria, para estudar o caso de Balasar e averiguar se sim ou não havia nele algo de sobrenatural.

A dita comissão “pesquisou”, inquiriu-se do que se passava na casa do Calvário, mas sem se interessar verdadeiramente da inquirida, sem interrogá-la a fundo, ou então ameaçando-a simplesmente de represálias, o que está provado no processo diocesano em vistas da beatificação e canonização da Alexandrina.

E que tem o Padre Agostinho Veloso a ver com esta comissão?

Sinceramente, penso que nada tem a ver com ela, visto que nesse período o Padre Veloso já estudava, provavelmente, Ascética e Mística em Salamanca.

O que é certo é que esta mesma comissão emitiu, em 16 de julho de 1943, uma conclusão desfavorável, afirmando que tudo quanto se passava no pequeno quarto da Alexandrina nada tinha de sobrenatural ou milagroso, o que motivou ― porque o Dr. Augusto de Azevedo nisso se empenhou ― a ida da Doentinha de Balasar para a Foz do Douro onde foi examinada durante quarenta dias pelo ilustre e então célebre Dr. Gomes de Araújo.

Encontrei no testemunho dado pelo Dr. Augusto de Azevedo, aquando do processo diocesano, as declarações que seguem e que deixo ao apreço do leitor:

« Alguns anos antes ― diz o simpático Doutor ― tinha-me encontrado com o Padre Agostinho Veloso na sacristia da igreja da Trofa e, falando-lhe da Alexandrina, disse-me ele que gostaria de a visitar. Eu respondi-lhe que quando desejasse vir a Balasar que me faria prazer levá-lo lá no meu carro. Ele disse-me que desde que tomasse a decisão me escreveria nesse sentido. Pouco depois ouvi dizer que ele difamava a Alexandrina dizendo mesmo que a mãe desta era uma mulher que tinha filhos de diversos homens.

Alguns tempos depois ― continua o Dr. Azevedo ― encon-trei de novo o Padre Agostinho Veloso, depois da Alexan-drina ter ido à Foz do Douro e depois que o Dr. Gomes de Araújo tinha feito o seu atestado. Ele falava então com o farmacêutico de Cadinhas, e estavam presentes a esposa deste e o Professor Roque. Perguntei ao Padre Veloso quando desejava ir a Balasar visitar a Alexandrina. “Co-mo então ― disse-me ele ― o senhor anuncia por todos os lados que ela não se alimenta, mas quando ela passou pela Trofa, ela comeu em casa do Sr. Sampaio!”

Vejamos, Padre Veloso, não sabe o Senhor que nós dize-mos que ela não se alimenta desde 1942 e que foi em 1941 quando ela passou pela Trofa? Que um homem qualquer faça afirmações como as que o Senhor acaba de fazer sobre a Alexandrina é uma coisa, mas que de tais insi-nuações sobre ela e sobre a sua mãe venham da boca dum jesuíta, é inconcebível. “Quer pois o senhor dizer ― respondeu-me ele ― que eu sou um jesuíta indigno?”

Eu respondi-lhe: “Visto as afirmações que lhe são atribuídas, o Senhor é na verdade indigno de vestir a batina que traz” »

O que acabamos de ler faz parte do depoimento ― com juramento ― do Dr. Augusto de Azevedo, homem que não tinha rancor a ninguém e que estava sempre pronto a prestar serviço.

Aquando do dito processo diocesano, o Tribunal interrogou 48 testemunhas. A uma delas, Maria Angelina Marques Ferreira que conheceu a Alexandrina desde 1935 até à morte desta, foi feita esta pergunta:

« O Padre Veloso disse-nos que “sabemos ― ele e outros do seu conhecimento ― que ela não estava paralisada e que por conseguinte ela podia, sem qualquer milagre, mistificar pelos seus êxtases, durante os quais ela imitava as diversas passagens da Paixão, como ela mistificava igualmente pela paralisia que nunca existiu” ».

A resposta da Maria Angelina é categórica:

« O Padre Agostinho Veloso afirmou uma coisa que ele não viu e que ele só poderia provar se tivesse visto.

Nunca ninguém me disse uma tal coisa e todavia eu conheço numerosas pessoas que conheceram a Serva de Deus ».

Vem depois uma outra pergunta:

« Como explica a Senhora que um Sacerdote tão célebre como ele possa ter feito uma tal declaração? ».

A resposta da testemunha perece-me muito judiciosa. Ei-la:

« Se bem que se trate dum Sacerdote, eu creio que por detrás de uma tal afirmação do Padre Veloso, outra coisa se esconde ».

Também eu penso que por detrás de todo este rancor manifestado pelo Padre Veloso algo mais se esconde, algo que não me parece confessável, algo que permanecendo escondido alimenta a suspeita e provoca conjecturas diversas.

Talvez seja este o verdadeiro motivo... Aliás, alguém testemunhou no mesmo Processo que o Padre Agostinho Veloso acusava o Padre Pinho… para se defender (ver adiante). E é melhor nem referir uma acusação que consta no depoimento do Padre Dr. Sebastião Cruz…

P Padre Agostinho Veloso esqueceu, infelizmente, os ensinamentos do seu Santo fundador que é portanto claro:

« Não dizer palavras para difamar ou murmurar, porque se descubro um pecado mortal que não seja público, peco mortalmente; e, se um pecado venial, venialmente; e, se um defeito, mostro o meu próprio defeito »[12].

O jornalista

« Não temem andar entre leões ― e parece cada um querer levar um pedaço ― que são as honras e deleites e coisas semelhantes a que se chama no mundo contentamentos »[13].

O « jornalista de garra e verbo camiliano » vai mais tarde ― em Janeiro de 1947 ― publicar na revista Brotéria um longo artigo sobre “Mística e jornalismo”, onde ele argumenta sobre “a psicose do maravilhoso” e onde fala “dos casos típicos” dessa mesma “psi-cose”. Ele aí aponta Balasar sem no en-tanto nomear expressamente a Alexan-drina, mas afirma que « estes casos, porém, tornam-se mais conhecidos, não porque valham mais que os ou-tros, mas porque a imprensa perió-dica, tomando-os à sua conta, lhes deu, com razão ou sem ela, uma noto-riedade que, de outro modo, nunca chegariam a ter... »

Terá provavelmente razão o Padre Veloso quando acusa a imprensa perió-dica de dar a esses factos “uma noto-riedade... com razão ou sem ela...”. Mas ele próprio está a utilizar o mesmo sistema e a aproveitar-se do facto que a imprensa periódica “tome à sua conta” esses factos, pois isso lhe dá uma oca-sião suplementar de expor o seu pró-prio pensamento, a sua própria crítica sobre os factos incriminados, factos que ele parece não conhecer profundamente, correndo o risco de errar e de dar uma opinião que possa ter influências nefastas nos casos citados.

Nesse mesmo artigo, não se encontra qualquer alusão ao discernimento dos espíritos, o que é de estranhar, sobretudo tratando-se dum jesuíta, um “conhecedor” e praticante dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Nos “argumentos”, não se encontra a menor referência aos “especialistas confirmados”, que digo, aos “Doutores” que são Santa Teresa de Ávila ou São João da Cruz.

O diplomado em Ascética e Mística não acena para as regras utilizadas em geral pelos Directores espirituais quanto ao discernimento dos carismas de que beneficiam as almas por eles dirigidas; o Padre Veloso limita-se apenas a citar casos, sem verdadeiramente os aprofundar, ou quando o faz, fá-lo por intermédio de textos “autorizados”, como os de Frei Luís de Sousa, como se não se sentisse capaz, ele próprio, de discorrer sobre um assunto que todavia fora estudar em Salamanca.

Aí terá lido e estudado as obras de santa Teresa de Ávila, de São João da Cruz e de Santo Afonso Rodrigues e, muito provavelmente, terá lido quanto escreveu Frei Luís de Granada que, mesmo falhando no caso exposto no referido artigo, sobre a freira de Lisboa, não deixa de ser um autor místico de valor.

« A psicose do maravilhoso vem de longe. É uma tentação mais ou menos cíclica, principalmente em tempos anormais », começa ele por dizer, ao iniciar o seu longo artigo.

Esta afirmação é gratuita e errada, porque a “psicose do maravilhoso”, como ele escreve, não é fruto de certas e determinadas épocas, mas é uma “psicose” permanente, que é mais ou menos “plebiscitada” segundo a corrente espiritual da época em que os factos acontecem. Eu explico:

No século XVII, por exemplo, logo após o Concílio de Trento, o número de Santos e de Bem-aventurados é simplesmente extraordinário, como foi extraordinário o número de visionários, razão pela qual alguns chamam a esse período “a via láctea”.

O século XVIII terá sido menos fértil em santidade, menos fértil em místicos? Não, mas o período histórico era diferente, a Contra-reforma tinha sido feita e muitos daqueles que beneficiaram de carismas ficaram no silêncio dos seus quartos ou das suas celas, o que não impediu que muitos deles fossem beatificados e canonizados e que os seus escritos ainda hoje tenham aceitação e mesmo mais do que isso. Basta aqui recordar o nome de São Luís Maria Grignion de Montfort, entre outros.

Este mesmo século deu à Igreja um número incalculável de mártires, não só aqueles que pereceram na China ou no Japão, mas sobretudo aqueles que a Revolução Francesa vitimou.

Ao exemplificar a tal psicose, o Padre Agostinho Veloso escreve: « Só dos últimos anos, lembram-nos os casos típicos do Barral, da Madre Virgínia (no Funchal), e das visionárias de Lamego, da Covilhã, da Vergada, de Pereira de Avidagos, de Balasar... », portanto o caso da Alexandrina, que aqui nos interessa e que faz também parte daquele elenco que «a imprensa periódica, tomando-os à sua conta, lhes deu, com razão ou sem ela, uma notoriedade que, de outro modo, nunca chegariam a ter.... »

Antes de falar sobre o caso da Alexandrina de Balasar, convém aqui esclarecer que a causa da Madre Virgínia da Paixão, do Funchal, se encontra a decorrer em Roma, depois de terminado o processo diocesano e do parecer fa-vorável da Conferência Episcopal Portuguesa.

O caso de Catarina Emmerich e de Teresa Neuamnn ― o Padre Veloso também os aponta ―, merecem uma peque-na informação:

A Catarina Emmerich, como é sabido, é agora Bem-aventurada e a causa da Serva de Deus, Teresa Neumann está a decorrer normalmente e tudo leva a crer que muito em breve a Igreja a proclamará Bem-aventurada.


[1] Alexandrina Maria da Costa: “Autobiografia”.

[2] Santa Teresa de Ávila: “Vida”, cap. 8,2.

[3] Santa Teresa de Ávila: “Vida”, cap. 8,12.

[4] Santa Teresa de Ávila: “Vida”, cap. 9,1.

[5] Santa Teresa de Ávila: “Vida”, cap. 10,6.

[6] Santo Inácio de Loyola: “Exercícios espirituais”, Segunda parte, 22.

[7] S. João da Cruz, “Subida ao Monte Carmelo”, Prólogo, 7.

[8] Santa Teresa de Ávila: “Vida”, cap. 10,6.

[9] Santo Inácio de Loyola: “Exercícios espirituais”; segunda parte, 32.

[10] Santa Teresa de Ávila: “Vida”, cap. 34,13.

[11] Santo Inácio de Loyola: “Exercícios espirituais”, primeira parte, 5.

[12] Santo Inácio de Loyola: “Exercícios espirituais”, primeira semana, 41.

[13] Santa Teresa de Ávila “Vida”, cap. 35, 15.

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