PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

O que é o Coração de Maria?

Em todos os idiomas goza a palavra coração de muitas e variadas acepções; nem há no corpo humano elemento cujo vocábulo e ilumine de mais delicados cambiantes, ao ser expresso na linguagem comum.

Tão depressa o tomamos no sentido próprio, denotando o órgão que põe em movimento o sangue e o distribui pelo organismo ― é o primum vivens et ultimum moriens dos filósofos – como logo, em sentido simbólico ou metafórico, designamos o princípio da vida, o amor, o valor, a forças, a alma, o conhecimento e sobretudo o que há de mais íntimo e mais nobre na pessoa humana.

Um dos usos mais frequentes é o simbólico para significar a vida íntima, afectiva e moral; o senso comum e a experiência interna descobrem, vaga mas intuitivamente, sem recorrer a indagações psico-fisiológicas, que existem relações profundas entre o coração e a vida íntima e por isso emprega o termo coração e o objecto por ele significado como símbolo natural dessa vida. Neste caso devemos distinguir bem o símbolo da coisa simbolizada e da razão porque ele a simboliza.

Muitas vezes olhamos para o símbolo, mas como que esquecendo-o em si mesmo, visamos directamente a coisa significada; é o sentido metafórico ou figurado e assim dizemos: «S. Francisco Xavier foi um grande coração

Posto isto, que quererá dizer Coração de Maria? O seu coração de carne? A sua vida íntima? A sua Pessoa? Ou mais vivo com os seus afectos de amor puríssimo a Deus, a Seu Filho, às almas; que se dilatava e inebriava com as suas delícias de Mãe, de filha predilecta e de Esposa singularíssima do Senhor; que se oprimia, confrangia e dilacerava e suportava agonias piores do que amorte com as dores supremas junto à cruz no Calvário.

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Que a pessoa entre como objecto desta devoção é o que menos se poderia pôr em dúvida: « honor adorationis proprie debetur hypostasi » diz São Tomás de Aquino[1].

O culto dirige-se sempre à pessoa. Os Jansenistas caluniaram a piedade cristã e os Autores eclesiásticos de não verem na devoção ao Coração de Jesus e de Maria mais que o coração de carne. É à pessoa que finalmente se dirige o culto, como quando se beija a mão a alguém, esse acto de respeito não é à mão pela mão, mas à pessoa que se presta.

Basta percorrermos as orações litúrgicas, os hinos e as invocações aprovadas em honra do Coração de Maria, para imediatamente vermos que é à pessoa de Nossa Senhora que nos dirigimos através do seu Coração; recorde-se tão simplesmente, para exemplo, esta jaculatória: « Doce Coração de Maria sede a minha salvação »; é por Nossa Senhora que chamamos, mas tocando-lhe directamente o Coração, para mais eficazmente sermos atendidos.

Quanto ao objecto formal, explicam as actas da Sagrada Congregação dos Ritos, no Pontificado de pio IX, que tratando-se do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria se deve advertir especialmente que o seu culto, depois de repetidas e graves discussões havidas sobre este assunto, foi aprovado pela Sé Apostólica, porque por este título Coração se designava a sua imensa caridade para com Deus e o seu efusivo amor aos homens[2].

As razões principais das festas aprovadas pela igreja ordinariamente vêm expressas nas lições do segundo Nocturno do Ofício dessas mesmas festas. Ora no segundo Nocturno do ofício do Coração de Maria vemos que a mente da Igreja ao instituir esta festa, foi principalmente « para que se celebrasse solenemente o amor puríssimo da Mãe de Deus, ou para nos servirmos das palavras de S. Bernardino, aquele divino amor em que ardia a fornalha do Coração da Virgem: divinus ille amor quo fornaceum Cor Virginis ardens erat ».

« Foi deste Coração, contuna S. Bernardino, como de uma fornalha de divino ardor que a Bemaventurada Virgem tirou as boas palavras, isto é, as palavras de ardentíssima caridade. Assim como de um vaso cheio de vinho óptimo não pode saír senão óptimo vinho; ou assim como da fornalha de sumo ardor não pode irromper senão fervente incêndio, assim do Coração da Mãe de cristo não podia sair palavra senão de sumo amor e ardor sumo »[3].

Logo a devoção ao Coração de Maria é a devoção ao amor que ardeu em seu Coração, para com Deus e para com os homens e se nela abrangemos todas as manifestações desse amor, fixamos sobretudo as principais, como são as suas dores na Paixão de Jesus e as suas misericórdias para com os homens.

Desde Toda a eternidade « ideado estava este Coração na mente divina, como princípio da vida preciosa da Mãe de deus; como sede do ardente amor e da ternura e ritmo da Mãe divina, com que havia de latejar; como mar delicioso em cujo seio tranquilo os ventos da tribulação levantariam mais que em nenhum outro imensas vagas; como protótipo de Coração de Mãe; e por sua constituição íntima e ordenadíssima (ainda que não passaram por ele as agitações filhas do pecado, ou sejam os estímulos da concupiscência) como exemplar dos corações de todo o género humano e por isso mesmo, mais que o de nenhuma outra creatura, representante da força vivificadora que embeleza o universo... Cantemos pois a este Coração, cujos movimentos rítmicos, nunca alterados por corrupção alguma ou sinal de morte, são exemplar da vida universal; convidemos a todas as criaturas a que aprendam deste Coração a viver e a viver com hamonia e beleza »[4].

Mariano Pino
in Mensageiro de Maria, Março de 1940


[1] III, q. 25. a. 2.

[2] Nilles, ob. Cit. I, pag. 568.

[3] Ib. Pag. 573-576.

[4] Agilar, Harmonias del Corazón de la Virgem Madre, pag. 49-50.