PRO CAUSA DE BEATIFICAÇÃO - PRO CAUSE DE BÉATIFICATION

A EXISTÊNCIA DE DEUS
SEGUNDO O P.E MARIANO PINHO

 

O trecho que se segue pertence ao Regresso ao Lar do Padre Mariano Pinho, que ele publicou em 1944. Merece uma cuidada leitura.

 

Deus existe. Por mais teorias, erros e perseguições que se inventem, ainda nada nem ninguém foi capaz de deitar por terra as grandes provas da existência de Deus. Elas aí estão à farta. Se nada há que não seja uma prova de que Deus existe…

Pediram um dia a Newton uma prova da existência de Deus; o sábio, apontando para o céu, disse: «vede!» e não acrescentou mais nada.

Na verdade, foi esta a primeira prova que o mesmo Deus quis dar de si, milhares de anos antes que na terra houvera quem contemplasse o firmamento. Eis aí a Sua primeira Escritura, «o livro imenso, o livro do Infinito» ao alcance de todos os olhos e de todas as compreensões. Por isso todos podem ler, sábios e ignorantes, letrados e analfabetos.

Livro que todos têm que ler mesmo os que, mau grado seu, se obstinam em fechar os olhos. Se mais provas de Si não quisera dar-nos Deus, esta bastava para condenar como indesculpáveis os que não conhecem o Criador. Prova retumbante e, ao mesmo tempo, cântico magnífico e de tais vozes que penetram retinindo nos corações mais duros e nas almas mais empedernidas.

Que lindamente o disse Lamartine: «as esferas celestes movem-se seguindo um ritmo divino; os astros cantam. E Deus não é só o grande Arquitecto, o grande Matemático, o grande Poeta dos mundos, é também o seu grande Compositor. A criação é um canto cuja cadência a marcou Ele e cuja melodia escuta» [1]. Mais divinamente o tinham dito os Salmos:

«Os céus cantam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.

Um dia passa palavra a outro dia, e uma noite indica esta ciência a outra noite.

Não são termos ou discursos cujas vozes se não oiçam.

A toda a terra chegou o seu zunido e a todos os confins do orbe terráqueo as suas palavras...» [2].

Será esta a razão pela qual a maior parte dos astrónomos foram crentes, e muitos deles fervorosamente piedosos?

«Oh! não, não corre o risco de ser estrangulada no arrojo de nossas tentativas cosmogónicas a antiga demonstração da existência de Deus: coeli enarrant gloriam Dei!» — exclamava comovido Hervé Faye (1814-1901) no seu livro sobre a Origem do mundo [3].

Schiapparelli (1835-1910), o mais ilustre dos astrónomos italianos, escrevia em 1909, na sua obra Nei Cieli: «Quem se atreve ainda a falar de antagonismo entre a ciência e a fé? Se num dado momento alguém nisso pensou, foi sonho mau, agora desvanecido para sempre, à luz da verdade. E como poderia não ser favorável à Religião uma ciência como a Astronomia, cujo estudo pode chamar-se uma perpétua homenagem à Sabedoria suprema que governa o mundo; uma ciência na qual cada descoberta é um hino de admiração a jorrar de toda a alma sensível ao generoso e ao belo!?»  [4].

John Herschel, filho do célebre astrónomo William Herschel, descobridor de Urano, escrevia: «não é verdade que (a ciência e a filosofia) comuniquem aos que a cultivam uma ideia exagerada de si mesmos e os levem a duvidar da imortalidade da alma e da revelação. Pelo contrário, levam-nos à conclusão oposta... estabelecem a existência de Deus e os principais atributos da Divindade sobre tais bases que a dúvida torna-se absurda, e o ateísmo ridículo [5].

Esta é a glória de Deus, não poder criar coisa nenhuma que não fique a dar vozes de que Deus existe, de que Deus é sábio, de que Deus é omnipotente, de que Deus é bom!

«Uma palhinha me basta — respondia Paulo Vanini aos que o interrogavam — uma palhinha me basta para provar a existência de Deus!»

Sim; porque se qualquer coisa existe, — existe a fonte desse ser; existe o Ser supremo [6].

E, se qualquer atomozinho chega para atestar a existência de Deus, quem mais imponentemente, mais marcialmente aclama essa existência do que a imensa multidão dos astros?

Ipse fecit nos et non ipsi nos: Ele é que nos fez, não fomos nós que nos fizemos a nós mesmos [7], brada a uníssono esmagador toda essa enorme teoria de mundos. E que o não dissesse, dizíamo-lo nós. Não podia fazer-se a si mesmo quem não era e principiou a ser: teve o seu Feitor, o seu Criador. Se os astros possuíssem de si mesmos o ser e existência, eram seres eternos, necessários, infinitamente perfeitos, pois nada haveria que lhes pudesse limitar a perfeição no ser.

Mas, pobres astros! Apesar da sua massa enorme, apesar da sua multidão, apesar das distâncias que os separam uns dos outros, apesar da vertigem incessante e velocíssima com que se lançam pelos espaços... são limitados, são imperfeitos, são contingentes. Tiveram um autor. 

* * * 

Mas não nos dizem, por isso, só que Deus existe, mas dizem-nos também quem Ele é. Dizem-nos que é Inteligência suma.

Um capitão de navio, depois de ter lido as publicações de Mathieu Fontaine Maury (1806-1873), fundador da oceanografia, escrevia-lhe em carta estas palavras que o grande sábio reproduzia com regozijo: «as vossas descobertas não nos ensinam só a seguir as rotas mais seguras e mais rápidas do oceano, mas ainda a conhecer as maiores manifestações da Sabedoria e Bondade do Omnipotente... Até ao dia em que tive conhecimento dos vossos trabalhos, atravessava os mares como um cego: não via, não concebia a magnifica harmonia daquele que vós chamais tão acertadamente a grande Ideia prima!» [8]

Os céus dizem-nos que foi mister essa Ideia prima, essa Inteligência Suma, para executar uma obra, por um lado tão complicada e ao mesmo tempo tão maravilhosa, pela sua ordem harmoniosa!

Quem não palpa a ordem magnífica que existe no universo inteiro! Com que precisão as leis que seguem o movimento dos astros se executam! Graças a essa precisão podemos dizer o dia, a hora, o minuto e o segundo em que a Lua, de aqui a mil anos, há-de ter um dos seus eclipses. À precisão e constância dessas leis sapientíssimas deveu o imortal Le Verrier (1811-1867) a descoberta importantíssima do planeta Neptuno; dobrado sobre a sua mesa de estudo, à força de cálculo, sem olhar para o céu, marcou o dia, a hora e o lugar em que devia aparecer o anunciado planeta. «Não me engano nem em 10 graus» — dizia ele. E lá apareceu, não chegando o erro nem a um grau: foi apenas 52 minutos [9].

Os corpos celestes formam as peças de um imenso relógio, por onde acertamos os nossos relógios e que tem sobre eles a vantagem de não se desconcertar, de não parar nunca, nem precisar de corda.

Ora, se para um simples relógio de bolso ou de pulso, a nossa razão reclama, absolutamente, um autor que tenha tido inteligência bastante para o fazer, como o não havia de reclamar, ao ver e estudar a grande máquina do universo? Por isso Balmes costumava dizer que trazia a prova da existência de Deus no bolso do colete: referia-se ao relógio.

Os céus anunciam a sabedoria de Deus! «No movimento regular dos planetas e dos seus satélites — diz Newton — assim como na sua direcção, no seu plano, no grau da sua velocidade rebrilha o sinal dos desígnios e o testemunho da acção de uma Causa que não é nem cega nem casual, mas que é sem dúvida altamente conhecedora da mecâ­nica e geometria» [10].

Se atentamos na multidão dos Astros — só na Via Láctea há 100.000 milhões de estrelas das quais 33.000 são luminosas [11]; se ponderarmos na sua grandeza — o volume do sol, por exemplo, é 1.279.267 vezes igual ao da terra e pesado mede 2.000.000.000.000.000.000.000.000.000 de toneladas; se advertirmos a força velocíssima como se movem — a terra anda por hora 135.000 quilómetros — exclamamos necessariamente:

Os céus anunciam o imenso poder de Deus!

Se depois medirmos as distâncias que os separam uns dos outros — a estrela mais próxima de nós dista da Terra quarenta milhões de milhões de quilómetros; a estrela Polar 100 triliões de léguas, a estrela Capela 170 triliões de léguas; para lá chegar, em automóvel que andasse em linha recta 100 quilómetros à hora, precisávamos de milhares de séculos!!!... Como é certo que tudo isto nos diz que os céus anunciam a imensidade de Deus!

 

E então a nossa razão, perscrutando o porquê de toda a esta criação maravilhosa, ouve também e sobretudo que os céus anunciam a Bondade de Deus!

E o coração sente-se forçado a amá-lo.

Uma tradutora francesa das obras de Darwin enviava-lhe os parabéns por ele ter suprimido em sua evolução a ideia da criação. Não sabia que Darwin escrevera: «eu nunca fui ateu nem neguei nunca a existência de Deus»! O filósofo respondeu-lhe: «a teoria da evolução é perfeitamente compatível com a crença em Deus. A impossibilidade de conceber que este grande e admirável universo, com o nosso eu consciente, apareceu por acaso, parece-me o argumento principal da existência de Deus» [12].

 

E já acabaram as provas da existência de Deus? E o reino vegetal? e o reino animal ? Não nos metem eles eloquentemente pelos olhos dentro a necessidade de uma vida que não teve princípio, infinita?

O homem sobretudo, que em si condensa e completa o universo, é a mais retumbante prova da existência de Deus; é um novo céu a cantar muito mais alto que as estrelas, a glória do Criador. Porque além de dizer o mesmo e melhor que qualquer outro ser, diz mais. Como é inteligente e espiritual quanto à alma, afirma a existência duma inteligência e de um espírito infinito. Como é vontade livre, atesta que há uma vontade soberana, omnipotente.

Depois, as suas aspirações, nunca saciadas nesta vida, de verdade e felicidade exigem a existência de uma verdade plena, mais além; de uma felicidade plena, mais além. Por outro lado, no homem há uma lei que se lhe impõe a todo o momento, quer viva só, quer acompanhado: lei que lhe brada lá dentro na consciência, a cada instante, que o bem se deve praticar, o mal evitar. E como não foi ele que se impôs a si mesmo esta lei, porque então poderia revogá-la a seu talante, conclui-se que há um Supremo Legislador, o Autor da natureza humana: Deus.

Em vista de tantas provas óbvias e ao alcance de todos, que admira, se lhe venha juntar ainda outra: o consenso universal de todos os povos na existência de um Ser Supremo a quem todos os homens estão sujeitos? Sim: que insignificante o número dos que através das idades se lembraram de gritar que não há Deus, se os cotejarmos com os que afirmam a Deus?! No coro universal da humanidade essas vozes diluem-se de tal modo que mal chegam a desafinar no conjunto, ninguém nega a Deus — concluía Santo Agostinho — a não ser aquele a quem convinha que não existisse» [13]. Até Rousseau confirmava «que se alguém se esforça por rejeitar a existência de Deus é porque os seus costumes lho fazem temer» e dizia também: «ponde a alma em estado desejar que haja Deus e já não duvidareis da sua existência» [14].

 

A toda esta multidão de provas quis Deus ajuntar outras de ordem superior, mais eficazes e convincentes, para que ninguém tenha desculpa da sua ignorância. Veio em auxílio da razão que tão facilmente se obnubila, com a revelação sobrenatural, com milagres, com profecias; veio Ele mesmo em pessoa à terra a encarnar, feito Deus-conosco, para que o pudéssemos ouvir, conversar e tratar e ao ausentar-se, deixou como testemunho imorredoiro da sua passagem pela terra e com missão de continuar a ensinar a sua doutrina, a Igreja.

A Igreja! Ela aí está a dizer, melhor que nenhuma outra obra na terra, que Deus existe; e lança à impiedade de todos os tempos este desafio: Destruí-me, se sois capazes! Em vão o tentareis; fez-me Deus indestrutível, para através de todos os tempos e de todas as nações ficar a ensinar bem alto ao mundo quem é Deus.

Há uns cinquenta anos morria em Innsbruck um distinto Professor da Universidade. No leito da ago­nia expressava: «agora vou morrer; morro porém como católico fiel à Fé e à Igreja». Depois de recebidos os sacramentos, acrescentou: «sabedoria, honra, brilho, riqueza tudo isso é nada sem a fé; tudo isso é nada, se não vem de Deus e se não volta para Deus. Só a fé mantém o homem direito na vida e na morte e isto vale para os particulares e vale sobretudo para as famílias» [15].

No dia do nosso baptismo perguntaram-nos: «Crês num só Deus?» Creio! responderam por nós os padrinhos. Chegada a primeira comunhão solene repetiram-nos a pergunta e respondemos já por nós mesmos: Creio!

Hoje, hora de impiedade e de crime em que se divide o mundo em dois partidos: os que são por Deus e os que são contra Deus, põe-se-nos de novo e urgentemente a interrogação: Crês num só Deus? A resposta tem que ser um grito da alma e de todo o nosso ser; um brado que ecoe na terra toda como um protesto e suba ao céu em acto solene de reparação à glória de Deus ultrajada: Credo: Creio!


[1] Cit. por Eugène Duplessy, Apologétique, tom. I, pág. 49.

[2] Ps., XVIII, l ss.

[3] Cit. por Eyumieu, La part des Croyants dans le Progrès de la Science au XIXe Siècle, vol. I, pág. 79 (4.ª ed.).

[4] Cit. ib., pág. 82.

[5] Ib., pág. 76.

[6] Car quelque chose étant, il faut que quelqu’un soit, raciocinava Victor Hugo, Les Travailleurs de la Mer, II, 2.

[7] Ps., XCIX, 3.

[8] Cfr. Eymieu, ob. cit., vol. I, pág.

[9] Ib. pág. 64.

[10] Em Zaccki, «Dio», pág. 391, cit. por Acção Cató­lica Portuguesa.

[11] Cfr. Ignacio Puig, S.J., Actualidades Científicas, pág. 24, 1938. Diz este autor: «Este número de estrelas vivas é tão exorbitante, como as letras contidas numa biblioteca de meio milhão de livros de 400 páginas cada um. Para ler esta biblio­teca, à razão de dez letras por segundo, sem interrupção de dia nem de noite, sem férias de nenhuma espécie, gastar-se-iam uns mil anos e para contar os 33.000 milhões de estrelas uns 200 anos, já que num segundo, quando muito, só se podem contar cinco estrelas. Ib., pág. 75

[12] Cfr. D'Herbigny, Théologie du Révélé.

[13] Tract., 70, in Joan.

[14] Cit. por Mgr. Rutten, Bispo de Liége, na Semaine religieuse de Namur.

[15] Presspredigen, 4 Helft, 1913.

 

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