Carta do P. Humberto ao P.
Pinho
Porto,
9.6.48.
R.
Padre Mariano Pinho.
Há
quanto tempo devia ter escrito. Perdoe-me tanto silêncio. O tempo
não chega para nada. A falta de notícias
deve ser para V. Rev.cia
um sacrifício, mas também para nós não há mimos, graças a Deus.
Estamos perto, mas não tanto como se julga. Os afazeres e as
contrariedades nos acompanham sempre.
Te
Deum laudamus! No sofrimento sim, oh,
nele estamos juntos à vítima do Calvário; no sofrimento e na
convicção cada vez mais profunda de que digitus Dei est hic.
A vida
mística vivida cada vez mais intensamente, os es-critos sempre
teologicamente correctíssimos, a perfeição num aumento sensível e
admirável, em todas as virtudes especialmente na humildade : eis em
resumo o que con-tinua a ser a Alexandrina.
Continua o jejum (começado em Março de 1942), con-tinua o sofrimento
da Paixão íntima sofrida por Jesus e descrita com uma visão
psicológica das coisas, dos sen-timentos do Salvador que não deixa
dúvidas sobre sua ve-racidade e manifesta uma tal interioridade da
alma víti-ma, que impressiona.
O que
Nosso Senhor lhe tem pedido e o que ela lhe tem dado dão uma ideia
da missão verdadeiramente grande de que está encarregada. O mundo
com as suas maldades, com os seus diferentes crimes está nela
representado ao vi-vo, como se ela tivesse a experiência de todo esse
conjunto de mal que horroriza quem bem o conhece. E ao lado dis-so,
que heroísmo de reparações!
Os
colóquios são muito mais raros, mais breves e dolorosos. Há mais de
um ano, o que acho de mais notável é a transfusão do sangue de Jesus
para ela. Fala na gotinha de sangue injectada no seu coração por um
tubo dourado, em comunicação com o Coração de Jesus.
Na
sexta-feira Santa recebeu misteriosamente a Comunhão com
estas palavras: Viaticum Corporis Domini Nostri Jesu Christi
etc.
Um dia
um Anjo dá-lhe a comunhão e diz : Corpus Domini Nostri Jesu
Christi etc. Outra vez é Jesus que lha dá e diz : Corpus
Domini Jesu Christi etc.
Pequenas coisas que, por ela não entender a língua, dizem muito.
O
demónio, com assaltos sem a tocar, tem-na perseguido muito,
deixando-lhe a sensação de consentir em baixezas sem nome. Há pouco
tem-se feito ouvir com pancadas fortes no soalho da casa. Nada porém
tira ao ambiente e a ela a paz e a serenidade mais invejável.
É esta,
em resumo, a vida da vítima do Calvário (não esquecer que o lugar
onde morava a Alexandrina se chama Calvário) : um mistério de
sobrenatural, de heroísmos que se desenrola na forma mais simples e
sob o sorriso enganador que cativa as almas, as muitas almas
que a visitam... Nas mil vicissitudes, vejo-a guiada pelas luzes do
alto e cheia de uma sabedoria prudente que não encontrei ainda em
ninguém.
Quantas
coisas queria dizer mais a V. R., mas tenho que fechar a carta já
interrompida umas poucas de vezes. Queira lembrar-se de mim : bem
sabe que não é esquecido nunca entre nós. Oxalá que os planos de
Deus se realizem quanto antes, para o bem das almas.
Abraça-o com amizade nos corações de Jesus e Maria.
P.
Humberto Pasquale, Salesiano.
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