A BEATA
ALEXANDRINA NA PARTIDA
DO PADRE PINHO PARA O BRASIL
O texto que
segue é o colóquio dos
Sentimentos da Alma de quando o Padre
Mariano Pinho partiu para o Brasil. Vai assim sem mais enquadramento, que fica
para outra ocasião.
22 de
Fevereiro de 1946, Sexta-feira
O dia 20 não poderá apagar-se jamais da
minha memória. A partida do meu Paizinho para o Brasil. O que Jesus me pediu!
Não
esperava tanto.
Na manhã desse dia, logo depois da
sagrada Comunhão, per-guntei repetidas vezes a Jesus se sim ou não ele
ia e
não me deu resposta. Mas mesmo assim permaneci na minha confiança contra toda a
esperança. Nosso Senhor enviou-me alguém para me animar e confortar e dispor-me
para o que se esperava acontecer. A alma estava forte. Eu estava calma e serena.
Mas o que eu sofria não há imaginação que o possa imaginar nem lábios que o
possam dizer. Que derrota na minha alma!
Quando ia para rezar, não sabia como
oferecer as minhas ora-ções. Seriam precisas para Jesus fazer o milagre de ele
não ir? Ou para Lhe agradecer tão grande graça? Ou para ele ter boa viagem?
Indecisa, sem saber o que fazer,
entregava-as a Jesus. E com a força da minha confiança, que não sei donde me
veio tal, dizia: não foi, não vai.
Oh, como eu estava enganada!
A dor era dilacerante. Eu disse: estou
como S. Lourenço, estou assada por todos os lados, mas o meu fogo é pior:
queima-me o espírito, cansa-me a alma.
Era já noite. Como a dor era
insuportável, esforcei-me por redobrar a minha confiança. Dizia jaculatórias,
implorava o auxílio do Céu. E confiada só no Senhor de que Ele providenciaria,
lembrei-me de Abraão com o seu filho Isaac, com a diferença de que eu não subia
o monte, mas entrava no mar, a grande distância, e lá ia arrancar o meu
Paizinho. Mal eu sabia que àquela hora já o vapor caminhava com ele sobre as
águas do mar.
Quanto tenho de agradecer ao Senhor por
me ajudar a tudo vencer com serenidade e resignação! Tanto orei, tantas orações
pedi, sacrifícios e mais coisas ainda e por fim teve que partir.
Ó santa obediência! O que vou fazer
agora?
Continuar a confiar e a esperar no
Senhor, redobrar as minhas orações e, de olhos postos no alto, esperar com
alegria e tudo sofrer por amor.
Na manhã de ontem, logo após a sagrada
Comunhão, eu disse a Jesus:
Entrego-me a Vós para tudo e prometo-Vos
fazer todo o possível para não me preocupar mais se isto ou aquilo compromete a
Vossa divina causa; se ela é vossa, tomai conta.
O que eu quero, meu Jesus, e prometo
fazer todo o esforço, é fazer tudo com a maior perfeição possível e amar-Vos com
todo o amor de que o meu coração seja capaz. Sois Vós o único em quem posso
esperar.
À tarde, soube então da hora e de todos
os pormenores da despedida do meu Paizinho, na entrada para o vapor. Quis ainda
ser forte, encobrir as minhas lágrimas, mas fi-lo por pouco tempo. Consegui
abafar os suspiros; ninguém os ouvia; mas as lágrimas rolaram-me pelas faces,
durante algumas horas, mas com todo a serenidade e paz. Uma dor que parecia não
ter fim. Oferecia-as a Jesus e por tudo O bendizia e louvava. E disse-Lhe que,
assim como tinha prometido, se o Paizinho não fosse para o Brasil, os meus
lábios não pronunciariam uma palavra de regozijo nem satisfação, assim lhe
prometi também se Ele me ajudasse com a sua graça, não dizer uma palavra contra
aqueles que o fizeram ir e que tanto me têm feito sofrer.
Nesse ponto, meu Jesus, quero que os
meus lábios sejam mudos, para nada poderem dizer. Foi este o meu horto e não foi
pouco doloroso.
Senti-me nele e nele prostrada em duro
terreno contra o meu peito. Reguei-o com muitas lágrimas, mas lágrimas de
resignação.
Na madrugada a dor atingia o seu auge.
Sem isso pensar, tive uma visão da alma.
À minha frente, uma mão muito branca,
repetidas vezes, me abençoava. Senti na alma uma união que a deixou mais forte.
Depois de receber o meu Jesus e de Lhe dar umas pequenas graças, porque não
tinha forças para mais, tinha junto de mim, um livro que há dias tinha pedido,
com o Te Deum já marcado, para ler em acção de graças logo que soubesse
que o Paizinho não saía. Não quis mandá-lo guardar sem o ler como acção de
graças a Nosso Senhor por ter consentido na ordem, que foi executada. Parecia-me
assim dar mais consolação a Jesus: bendizê-lo na dor como na alegria.
E segui o meu calvário com lágrimas,
muitas lágrimas, as quais em espírito ia dando a Jesus. Senti-me cair por muitas
vezes sem forças para levantar-me: e nada mais senti dos tormentos de Jesus.
Mergulhada na dor e na cegueira,
cegueira que nunca viu nem espera ver, veio o meu Jesus.
– Minha filha, coração de oiro,
coração de fogo, alma pura, alma cândida, alma só alvura, vem a Mim, vem ao Meu
Coração descansar de tanta dor, de tanta amargura; vem buscar coragem, conforto
e confiança.
– Meu Jesus, meu Jesus, sabeis tão
bem que só em Vós confio e não em mim e como permitistes que eu me enganasse ou
que o demónio me enganasse?
– Sossega, tranquiliza-te e
escuta-me.
Eu não te enganei, tu não te
enganaste, o demó-nio não te enganou, porque eu não consenti nis-so.
Tudo o que fiz não foi para te
humilhar, nem humilhar aqueles que amas e Eu amo e cuidam da Minha divina causa,
mas sim para os deixar mais firmes e contentes.
Fui obrigado a fazê-lo. Tive que
proceder assim para não castigar com castigo eterno, como tan-tas vezes me tens
pedido.
És mestra de todas as ciências,
doutora das ciên-cias divinas. Quanto o mundo tem de aprender de ti!
Eu falo com toda a ciência e
sabedoria. Quando te falei da Pátria, não te enganei, porque, para aqueles que
obedecem, no mundo não têm pá-tria, a sua Pátria é só o Céu.
Se soubesses, minha filha, quanto
custou ao meu Divino Coração, louco de amor por ti, não te dizer tudo o que ia
suceder, quando sorri e demorei a minha resposta!
Dei-te a coragem e confiança em todo
este te tem-po para poderes resistir e teres agora coragem para receberes tão
grande golpe.
Não te enganei ao dizer que não te
pedia o sacrifício da partida do teu Paizinho. Não to pedi na ocasião; vim agora
pedir-to mais tarde. E vês como me deste tudo?
Disse-te que não ia, prometi
libertá-lo, e foi este o melhor meio da sua libertação.
Verás como to vou dar mais que nunca.
Não foi; ficou contigo. Aquilo que eu uni não podem os homens desunir.
A visão que tiveste esta manhã, a
abençoar-te foi ele com a sua mão que muitas vezes te abençoou, enquanto que o
vapor ia navegando no mar.
Vês como to dou e como te está unido?
Pedi para que ficasse oculto o que te dizia a tal respeito. E sabes a razão?
Para não levar os homens a revoltarem-se, a pontos de resistirem às minhas
Minhas graças, graças que para alguns, neste sentido, não torno a dar-lhes.
Persistiram, resistiram. Fiz tudo para que assim não procedessem.
* * *
Jesus dizia isto e
chorava.
– Não choreis,
meu Jesus; deixai as lágrimas para mim e aceitai-as como prova de amor. Não me
deixeis enganar. Perdoai a todos. Sede a minha força.
– Vai confiante,
espera alegre, que bem depressa as Minhas divina promessas serão realizadas com
grande brilho e grande triunfo.
Coragem, coragem
e alegria! Coragem para os que te rodeiam e cuidam do que é Meu. Coragem e amor,
coragem com a certeza de que Jesus não falta, que Jesus a todos ama loucamente!
Vai, vai
escrever tudo isto!
– Obrigada, meu
Jesus.
– Coragem,
coragem!
Que grande luz
dás ao mundo, que grande exemplo pela tua alegria e amor à cruz!
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